Carta da Galiza ao Brasil
Meu bem-querido irmão:
Antes de mais permite-me que me apresente, há tantas cousas erradas que te tem contado de mim, e eu quero, necessito mesmo, que tu me conheças como eu sou. O meu nome é Galiza, ocupo o Noroeste da península Ibérica, sou geograficamente, culturalmente e linguisticamente irmã de Portugal, que fica ao meu Sul, do outro lado do rio Minho; uma pequeninha parte de mim permaneceu sempre independente de qualquer estado até meados do século XIX, mas hoje sou um território totalmente dominado polo Estado Espanhol... Eu sou uma velha pátria que esqueceu já a sua idade; mas o que nunca vou esquecer, mesmo que ao mundo lhe custe perceber, é que em mim nasceu e se criou a nossa língua; esta que tu e eu falamos e que por vicissitudes da história se conhece internacionalmente apenas como ‘português’ mas que nós aqui também chamamos ‘galego’. Mas deixa-me continuar a te contar...
Permite-me que te fale um bocadinho da minha longa história. Eu sou a velha terra chamada ‘Calaica’ Terra onde, como já te disse, nasceu e se criou esta nossa formosa língua; um dia eu fui grande... naqueles tempos foram os meus filhos os que emigrados povoaram a Bretanha, o Centro dos Alpes, e as ilhas Britânicas, consolidando durante milênios a laborada cultura Atlântica. Vai ser muito difícil para mim em poucas palavras resumir-te tantos azares, tantas batalhas, tantas façanhas e também tanta dor e tanto sangue derramado.
Muitos foram os povos que quiseram governar-me, pola cobiça do Ouro, pola riqueza mineira que guardava a minha entranha; chegaram legados de Roma ávidos de conquista e saque, para abrir seu domínio, atravessando do Douro as margens, mas antes tiveram que ceifar 50.000 almas indomáveis, que a peito nu combatiam, porque cobrir o peito era para eles ação de cobardes. Do Latim trazido com as suas outras falas, misturou-se através dos séculos nossa céltica linguagem, para que abrolhasse na Idade Media a língua que agora, meu irmão em espírito, embeleces arrolando-a, com o amor e a exuberância das florestas incontornáveis. Essa língua mesma nascida para amar e ser cantada criou uma das maiores culturas da Europa Medieval, polo caminho de Sant Iago difundida e admirada. Mas tarde, nas lutas dos reinos Ibéricos polo controlo da Hispânia, fui vencida e humilhada polos reis Católicos de Castela e seus ferozes aliados, para pronto, sem dar-me fôlego, à escuridão ser condenada. Atrás ficara o 1º Reino da Europa a liberar-se do Império romano, no século V, polo embate dos aguerridos suevos. Atrás ficaram as lutas entre Afonso Henriques, 1 º rei português, meu filho do Porto Calem, e seu primo Afonso VII, imperador de toda a Gallaecia.
Minhas glórias foram vendidas pola arrogância e a astúcia dos homens, pola traição dos insensatos; meu nome da historia foi apagado. Mas o espírito só adormeceu, e centos de anos mais tarde, as vozes de Rosalia, Pondal, Curros Enriquez e muitos outros, alguns mártires em Carral, ergueram de novo esta chama que agora te entrego irmão na confiança, sabendo que farás bom uso dela, e elevarás no continente americano, como na África e Oceania, onde outros irmãos nos aclamam, a voz lírica deste novo mundo, lusofonia chamado, para que nunca mais a vida nascida das minhas entranhas seja por outros desprezada.
Eis a minha história, irmão Brasil, ainda hoje continuam meus filhos, contra a ignorância lutando, pola dignidade deste recanto que foi berço da cultura que hoje tu com orgulho ao mundo amostras sem arrogância. Continuarão ainda cá tempos difíceis que pronto iremos superando com ajuda dos nossos irmãos que conhecem a nossa palavra, por que a palavra hoje é carne e mora vestida de raças, para os povos unir na nobreza da que foi criada.
Como vês, querido irmão, a minha luta tem sido longa e sem tréguas, tenho de admitir que vou velha e por vezes me sinto cansada... Acho alívio em saber que tu herdaste a minha fala e que em ti nunca se apagará a minha chama; não é que eu recuse a luta, mas tenho que ser realista... o destino da nossa língua, língua em que eternamente viajará a minha alma, aqui na pátria mãe, ainda é incerto.
Há um ano um grupo de intelectuais e artistas, professores, escritores, e defensores da nossa cultura, criaram a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP). A ajuda da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras foi notável e imprescindível. A AGLP, a que sinto como a minha filha mais nova, tentará abrir os caminhos que rompam o cerco que nos sítia e nos abafa; do seu êxito depende em grande medida o meu futuro, é por isso que te peço a acolhas com agarimo e a ajudes no que puderes em nome da nossa eterna irmandade.
A nossa língua atravessa uma das suas piores etapas de todos os tempos na terra berço, a terra mãe que com tanto amor a viu nascer, e a seus filhos e filhas de todo o mundo envia hoje a sua voz... Voz que vai na procura de ajuda que tanto necessito, ajuda que restaure a minha dignidade, peço não continuar a ser ignorada. Por isso te falo, querido irmão, por isso te falo...
Recebe de mim a palavra que mais estimes, meu amado irmão Brasil
Assinado: A Galiza
(da Autoria do Clube dos Poetas Vivos: Artur A. Novelhe, Belém de Andrade, José Manuel Barbosa, e Concha Rousia)
Antes de mais permite-me que me apresente, há tantas cousas erradas que te tem contado de mim, e eu quero, necessito mesmo, que tu me conheças como eu sou. O meu nome é Galiza, ocupo o Noroeste da península Ibérica, sou geograficamente, culturalmente e linguisticamente irmã de Portugal, que fica ao meu Sul, do outro lado do rio Minho; uma pequeninha parte de mim permaneceu sempre independente de qualquer estado até meados do século XIX, mas hoje sou um território totalmente dominado polo Estado Espanhol... Eu sou uma velha pátria que esqueceu já a sua idade; mas o que nunca vou esquecer, mesmo que ao mundo lhe custe perceber, é que em mim nasceu e se criou a nossa língua; esta que tu e eu falamos e que por vicissitudes da história se conhece internacionalmente apenas como ‘português’ mas que nós aqui também chamamos ‘galego’. Mas deixa-me continuar a te contar...
Permite-me que te fale um bocadinho da minha longa história. Eu sou a velha terra chamada ‘Calaica’ Terra onde, como já te disse, nasceu e se criou esta nossa formosa língua; um dia eu fui grande... naqueles tempos foram os meus filhos os que emigrados povoaram a Bretanha, o Centro dos Alpes, e as ilhas Britânicas, consolidando durante milênios a laborada cultura Atlântica. Vai ser muito difícil para mim em poucas palavras resumir-te tantos azares, tantas batalhas, tantas façanhas e também tanta dor e tanto sangue derramado.
Muitos foram os povos que quiseram governar-me, pola cobiça do Ouro, pola riqueza mineira que guardava a minha entranha; chegaram legados de Roma ávidos de conquista e saque, para abrir seu domínio, atravessando do Douro as margens, mas antes tiveram que ceifar 50.000 almas indomáveis, que a peito nu combatiam, porque cobrir o peito era para eles ação de cobardes. Do Latim trazido com as suas outras falas, misturou-se através dos séculos nossa céltica linguagem, para que abrolhasse na Idade Media a língua que agora, meu irmão em espírito, embeleces arrolando-a, com o amor e a exuberância das florestas incontornáveis. Essa língua mesma nascida para amar e ser cantada criou uma das maiores culturas da Europa Medieval, polo caminho de Sant Iago difundida e admirada. Mas tarde, nas lutas dos reinos Ibéricos polo controlo da Hispânia, fui vencida e humilhada polos reis Católicos de Castela e seus ferozes aliados, para pronto, sem dar-me fôlego, à escuridão ser condenada. Atrás ficara o 1º Reino da Europa a liberar-se do Império romano, no século V, polo embate dos aguerridos suevos. Atrás ficaram as lutas entre Afonso Henriques, 1 º rei português, meu filho do Porto Calem, e seu primo Afonso VII, imperador de toda a Gallaecia.
Minhas glórias foram vendidas pola arrogância e a astúcia dos homens, pola traição dos insensatos; meu nome da historia foi apagado. Mas o espírito só adormeceu, e centos de anos mais tarde, as vozes de Rosalia, Pondal, Curros Enriquez e muitos outros, alguns mártires em Carral, ergueram de novo esta chama que agora te entrego irmão na confiança, sabendo que farás bom uso dela, e elevarás no continente americano, como na África e Oceania, onde outros irmãos nos aclamam, a voz lírica deste novo mundo, lusofonia chamado, para que nunca mais a vida nascida das minhas entranhas seja por outros desprezada.
Eis a minha história, irmão Brasil, ainda hoje continuam meus filhos, contra a ignorância lutando, pola dignidade deste recanto que foi berço da cultura que hoje tu com orgulho ao mundo amostras sem arrogância. Continuarão ainda cá tempos difíceis que pronto iremos superando com ajuda dos nossos irmãos que conhecem a nossa palavra, por que a palavra hoje é carne e mora vestida de raças, para os povos unir na nobreza da que foi criada.
Como vês, querido irmão, a minha luta tem sido longa e sem tréguas, tenho de admitir que vou velha e por vezes me sinto cansada... Acho alívio em saber que tu herdaste a minha fala e que em ti nunca se apagará a minha chama; não é que eu recuse a luta, mas tenho que ser realista... o destino da nossa língua, língua em que eternamente viajará a minha alma, aqui na pátria mãe, ainda é incerto.
Há um ano um grupo de intelectuais e artistas, professores, escritores, e defensores da nossa cultura, criaram a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP). A ajuda da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras foi notável e imprescindível. A AGLP, a que sinto como a minha filha mais nova, tentará abrir os caminhos que rompam o cerco que nos sítia e nos abafa; do seu êxito depende em grande medida o meu futuro, é por isso que te peço a acolhas com agarimo e a ajudes no que puderes em nome da nossa eterna irmandade.
A nossa língua atravessa uma das suas piores etapas de todos os tempos na terra berço, a terra mãe que com tanto amor a viu nascer, e a seus filhos e filhas de todo o mundo envia hoje a sua voz... Voz que vai na procura de ajuda que tanto necessito, ajuda que restaure a minha dignidade, peço não continuar a ser ignorada. Por isso te falo, querido irmão, por isso te falo...
Recebe de mim a palavra que mais estimes, meu amado irmão Brasil
Assinado: A Galiza
(da Autoria do Clube dos Poetas Vivos: Artur A. Novelhe, Belém de Andrade, José Manuel Barbosa, e Concha Rousia)
Publicado no Recanto das Letras em 21/09/2009
Código do texto: T1822152
Assinado: A GalizaCódigo do texto: T1822152
Com minha filha Nerea Julho de 2010 |
Concha, minha alegria é imensa: já havia visto na TVE uma reportagem sobre Galiza, porém, só sua beleza e costumes, sem historicizar.
ResponderExcluirAbraços com ternura: sou de galiza, Brasil, Uruguay e Latinoamericano, jorge Bichuetti
Jorge, meu amigo, meu compatriota, pois eu também sou do Brasil, da Gaiza de Uruguay e Latinoamericana... Abraços para ti com carinho e irmandade, Concha
ResponderExcluirOi, Concha!
ResponderExcluirQue belíssima carta!
Peço-lhe licença para que eu a apresente aqui na UECE. Creio o os alunos de Língua/Literatura galegas irão gostar muitíssimo.
É como se estivesse recebendo a carta de uma irmã mais velha e muito querida contando toda sua saga.
Sou solidário com a luta por uma galiza com sua língua liberta das amarras do estado espanhol, uma Galiza independente em todos os sentidos.
Um abraço fraternal,
oliveira
Amigo Oliveira, agradeço as tuas palavras, e agradeço muito essa divulgação da carta, pois ela foi escrita para ser lida, né? Um dia, num momento de fantasia desses eu dizia a um amigo, gostaria que todos os brasileiros leram esta carta... Portanto eu fico muito grata por tua sempre generosa ajuda.
ResponderExcluirA Galiza, é o pais no que nasci, e o pais que sigo escolhendo viver, mas a Galiza é de todos, como todas as terras, e todas as línguas, e todas as florestas... e eu abraço a tua irmandade, e te reclamo filho da Galiza, assim como eu o sou do Brasil, como já me irmanei em poesia... Amanhã as nossas letras, eu irei celebrar recitando a Ernesto Guerra da Cal, um poeta galego que passou meia vida n Brasil.
Um abraço grande para ti, e obrigada!
Concha
http://www.youtube.com/watch?v=dEUg-IhIrm8
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=6yCAguhsnXs&feature=related
Estamos aqui irmão!
http://www.youtube.com/watch?v=8BVQcG1KUcs
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=40A4fhCTSqs
Denantes mortos que escravos!
Amigo Orint Express... em agradecimento a tu apareceres vou postar os vídeos que me deixas-te para que possam ser vistos com maior facilidade, com meu agradecimento e um abraço desde a Galiza, Concha.
ResponderExcluirMagnífico texto!!! Sou brasileiro e minha pátria é a língua Portuguesa ... A Galiza e o Brasil são duas nações irmãs e me orgulho de poder dizer isso. Desejo ao povo galego melhores tempos e a liberdade de se expressar em nossa encantadora e variada língua!
ResponderExcluirQue alegria, Eduardo! partilhamos pátria, mesmo que a mim ma querem negar, roubar... mas aqui estamos resistindo, desde sempre e até que seja necessário, porque amamos a nossa língua, sem ela não saberíamos que somos, né? A nossa língua é plural e belíssima, e super carinhosa :) O Brasil está ajudando muito a divulgar a causa da Galiza, a fazer visível nossa situação, os tempo melhores serão chegados, abraço fraterno, meu amigo, desde Santiago de Compostela, Concha
ResponderExcluirA ti Concha Rousia e a todos os outros te digo que tudo o que possa, farei, para que a Galiza rencontre as partes que lhe foram roubadas mas que nunca foram esquecidas! Viva a Galiza!
ResponderExcluirQue dim os rumorosos
na costa verdecente,
ao raio transparente
do plácido luar?
Que dim as altas copas
de escuro arume arpado
c’o seu bem compassado
monótono fungar?
— Do teu verdor cingido
e de benignos astros,
confim dos verdes castros
e valeroso clam,
nom dês a esquecimento
da injúria o rude tono*;
desperta do teu sono,
fogar de Breogám.
— Os bons e generosos
a nossa voz entendem
e com arroubo atendem
ao nosso rouco som;
mas só os ignorantes
e férridos e duros,
imbecis e obscuros,
nom nos entendem, nom.
— Os tempos som chegados
dos bardos das idades,
que as vossas vaguidades
cumprido fim terám;
pois, onde quer, gigante,
a nossa voz pregoa
a redençom da boa
naçom de Breogám.
Concha, se o mar nos afasta, a língua nos une. Galiza ceive!
ResponderExcluirApertas dende "a Ría de Xaneiro" :P