Estudo Comparativo da nova poeta (considero poetisa um termo machista, sendo poeta já de por si um termo feminino) Concha Rousia, através da alma rosaliana.
Por Artur Alonso
1.- Focagem: Critica da Realidade, contra a irrealidade galega.
Contra essa tão comum, ainda hoje viva, critica literária que pretende circunscrever a realidade da criação escrita galega, tanto a histórica como a atual, a uma relação quase idílica entre as gentes, o fato literário e a paisagem em si mesma: “... A poesia galega, toda musica, toda queixas, suspiros e doces sorrisinhos, murmurando umas vezes com os ventos misteriosos dos bosques, bailando outra com o raio do sol que vai sereninho por riba das águas dum rio farto e grave...” (Prólogo de Cantares Gallegos. Rosália de Castro Obras Completas, Tomo I. 1983).
Esta critica que apresenta a atualidade de cada época, como herdeira dessa saudade quase inocente, de esse povo humilde e enroscado sobre si mesmo, falto de brio e coragem na sua humildade singular; parte da errada focagem que automaticamente situa o referente galego a um fato regional, com aspectos próprios que prevalecem, afastado do tronco comum universal, e unido nas sombras que não se vem, mas se pressentem, de um marco cultural referencial, superior e comum a todo o Estado Unificador. Unidade que parece magicamente fosse, a traves dos séculos implementada, pela natural superioridade de essa suposta cultura comum; e onde a peculiaridade própria de cada região se dilui em prol da inçada língua central de coesão. Esta critica, de algum modo, associa e assume, sem reparar no efeito, a diferencia galega como uma realidade particular dentro do tronco maior e melhor sustentado de essa imaginada cultura Estatal, para todos os povos da Espanha, única universal.
Esta focagem critica que ainda prevalece e diríamos tende a ver-se oficial, intui que o fato peculiar e particular desta forma de entender galeguidade, é interiorizado de modo natural, coletiva e individualmente pelo ser galego, como um feito cientificamente demonstrado da sua raiz pertencer ao âmbito familiar privado, ao âmbito das relações sociais que se cernem a mesma jurisdição delimitada pela particularidade assente na visão regional; e que em modo algum gera direitos, mais alem de esse ambíguo, desarraigado e desconexo mundo, com diferencias que não podemos salvar de freguesia a freguesia; e que pela mesma inércia e natural evolução da vida é, que lamentavelmente, a dia de hoje, tende a sua extinção.
Daí que nos insurjamos neste estudo, contra este tipo de critica no campo literário, pois a nosso modo de ver, contribui a reforçar o papel subsidiário resignadamente aceite, dos valores, da cultura e da língua da Galiza, a outros valores, outra língua e outra cultura, falsamente denominada de unidade, e assumida por isso mesmo, como mais forte e superior.
Nada mais torpe e longe da realidade que descrever este processo, com o objetivo de enaltecer e glorificar a galeguidade, que olhar o perfil retraído e garimoso do galego como algo sublime e sutil, sem ser capazes de ver ai, os séculos de maltrato e marginação a sua língua e cultura. O auto-ódio assumido durante décadas e décadas em que o galego foi considerado um dialeto sem préstimo e o castelhano e seu valores idioma de cultura e prestigio. A baixa auto-estima gerada em gerações e gerações obrigadas a serem escolarizadas em uma língua e uma cultura alheia a sua própria vida e vital realização.
Inocentemente seguir associado à dureza da alma galega, a sua obrigada cerração, a uma característica intrínseca associada ao clima ou a paisagem, só ajuda a continuar apagando da memória coletiva a historia de substituição do poder galego, e as famílias nobiliárias galegas, por famílias e vassalos da causa castelhana, numa época em que na península se disputavam os diferentes reinos à superioridade na Ibéria. Criando-se a partires daí um mundo organizado e ordenado administrativamente em castelhano, em contraste com um mundo desagregado, degradado, ignorado e isolado na língua própria da Galiza; usado a miúdo como referente de atraso.
Desenhar, pois o auto-ódio e a auto-estima ruída, o desejo de abandono duma realidade de pratica marginação cultural, a nível coletivo e individual, como original, imaginativa e sabia, na vontade intuitiva da resistência galega, mas fechada para sim ou inserida numa naturalidade de conformidade feliz; e a sua vez integrar toda esta triste contagem numa paisagem nascida como parte fundamental de esta imaginaria e fantástica construção critica literária, onde o galego e a sua cultura subsistem e prevalecem no particular, porem estão expostos a contaminação ou contagio na sua vertente universal, nos parece sem nenhuma duvida, um exemplo perfeito de estratégia a não seguir, que condiciona a viabilidade da cultura galega e sua emancipação dum universo que a condena a extinção.
Negamo-nos, pois a seguir esta senda e construímos uma nova focagem da critica literária neste estudo, continuista da já iniciada por figuras como Guerra da Cal, Jenaro Marinhas Del Valle, ou mais recentemente Joel R. Gomes... E vamos a reconhecer a paisagem literária galega como o que na realidade é: uma riquíssima variedade na unidade também múltipla do mundo cultural galego lusófono, onde a nossa língua e cultura podem interagir em pé de igualdade, achegando novos frutos e enriquecendo-se de tão vasta e múltipla diversidade.
Começaremos, pois nosso estudo com esta premissa, e adotaremos a norma oficial do Novo Acordo do mundo luso, como veiculo de transmissão do saber a traves de todo o estudo, sem separarmo-nos dela, nem sequer para copiar um texto no original, pois opinamos que a dia de hoje como dizia Carvalho Calero, o galego só pode ser ou Galego Castelhano ou Galego Português. Por os motivos já expressados anteriormente de sobra se faz evidente porque optamos pelo Galego Português.
2.ª PARTE- Dificuldade
Fazer um estudo comparativo entre o mito Rosaliano: ...”Rosalia é sem discussão, o meirante (maior, absolutamente) poeta que deu a Galiza nos tempos modernos. Essa grandeza vem determinada, mui em essência, pela sua dimensão genial. Rosália foi um gênio, como os seus altos e baixos, com os acertos e erros próprios da pessoa que transita espiritualmente por eidos onde os demais mortais apenas têm cabida” (Domingo Garcia Sabell, em “A verdade de Rosalia”, prólogo do livro: “Rosalia de Castro. Documentação Biográfica e Bibliográfica crítica. Volume I (1837-1940)”). Pois bem fazer esse estudo entre a santificada no altar de ilustres galegos Rosália de Castro, assim como a universal figura estudada em universidades de todos os continentes, e uma poeta que esta a dar os seus primeiros frutos (não assim os primeiros passos, pois sua obra esta a ser bem divulgada a traves das novas tecnologias da comunicação global), dizíamos comporta um alto grau de risco, ao não saberem como diz Garcia Sabell se será a nossa escolhida uma dessas pessoas que esta a transitar espiritualmente por eidos onde os demais mortais apenas têm cabida; mais ao sim intuírem que em Concha Rousia o verso já se fez carne e habita no interior da sua alma, o risco se reduze. Portanto, a nosso modo de ver, podemos diminuir este risco uma vez analisada a trajetória ascendente de Rousia, e uma vez fixados os parâmetros espirituais que prendem e enraízam a alma distante das duas poetas.
3ª PARTE: Compreensão da Alma das Poetas
“Tem-se dito mil vezes que a poeta Rosália de Castro é uma voz galega, fundamente galega, que move e comove a nossa condição de galegos. Tem-se dito, é e certo, mas deveríamos entende-lo sem limitações. Estamos, certamente, ante uma poderosa voz galega, como voz reveladora e mesmo encenadora, no entanto essa voz tem acentos e dimensões que a convertem numa das mais importantes vozes da poesia universal” (Xesús Alonso Montero, no Limiar. pag. 23 – Sobre a vida e a obra de Rosália. Bibliografia de Autores Gallegos:”Rosalia de Castro. Obras completas”. Tomo I)
Uma alma vai-se abrindo a sua própria realidade. A alma rosaliana, como toda alma, se abre a esta realidade e se vê impregnada e marcada pela mesma; por acontecimentos verdadeiramente penetrantes, que a levaram necessariamente a posicionar-se como ser e a dar respostas a estes. Do seu modo de assimilar estas vivencias, do seu modo de digerir estas angustias vitais, no seu modo de canalizar estas feridas e as próprias doenças, se forjara a Rosalia mulher e a Rosalia poeta:...”E se eu não pude nunca fugir as minhas tristezas os meus versos menos”... ”Ai! A minha tristeza, musa dos nossos tempos (consciência do papel da melancolia na época romancista), conhece-me bem, e de muitos anos atrás; olha-me como sua, e é outra como eu... ” (Rosalia de Castro. Duas Palavras da Autora, para o prólogo da primeira edição de Folhas Novas)
Na nascença a marca de ser filha de mãe fidalga e pai crego (sacerdote), e dizer para os costumes da época filha “ilegítima” e de mãe pecadora, o que marcara a distancia na infância entre mãe e filha, criando-se Rosália em Ortunho numa aldeia perto de Santiago de Compostela, de cuja paisagem estamos seguros se impregnaria uma menina, que por necessidade, devera tender a acompanhar-se da sua própria imaginação, domesticando com ela a carga de sentimentos negativos que sua realidade lhe depara: “Nós (referindo-se as mulheres) somos harpas, só de duas cordas: a imaginação e o sentimento” (mesmo prólogo a primeira edição de Folhas Novas).
Concha Rousia nascerá no ano 62, no seu de uma humilde família camponesa, mas muito arraigada na tradição galega, com valores muito claros, que o pai e mãe transmitirão a todos os seus filhos.
A figura paterna influenciará definitivamente a Rousia, a ética de vida transmitida de geração em geração afirmaram na poeta o sentimento, de que por muitos lugares que ela percorra na sua vida, e poderão ser muitos, não será possível encontrar outro que supere em valores éticos e humanos, assim como de respeito ao entorno, aqueles que ela aprendeu na mesma aldeia da baixa Limia, onde a montanha da Rousia dar-lhe há o sobrenome a poeta.
Fora a numero 10 de 11 irmãos, seu pai nascera no ano 1915... Como a mesma poeta me confessaria em carta datada em Agosto 2009: “A idade deles fez que o mundo deles fosse antigo para”... Desde essa distancia e desde essa ternura o mundo rousiano se formaria numa eterna saudade que sempre traz aquilo que bem de longe e se faz presente de modo a agonizar num mundo não vivido, que ainda ela vivencia; distante do atual, mas com que literariamente estabelece um dialogo.
Também, em certo modo a tristeza oculta do pai, marcado pelos anos grises duma Galiza, dormida e represada, trás o trunfo do “franquismo”, assim como pela perda da sua mãe: “por beber numa fonte fria quando vinha da feira de Ginzo, havendo pouco dado a luz ao pai da poeta” (dados da correspondência particular da poeta), marcaram também em certa forma a alma da nossa criadora, tendo em conta que a relação filial com o pai esta cheia de múltiplas coincidências, como por exemplo ambos os dous terem nascido um 4 de Outubro: “A minha mãe sempre diz que o primeiro que ele fez foi ir andando os 8 km que há até a casa do concelho de Os Brancos para me 'sentar no livro' e que ficasse o mesmo dia que ele e a sua mãe”.
O vinculo afetivo porem se alongava ate a figura materna, deste jeito a poeta herdaria da sua mãe o nome: “Maria da Conceição... Assim eu nasci e cresci com um forte vinculo com ambos... o dia do santo eu era como a 'mãe'”. Esse vinculo se enraizava ate a figura do avô, e provavelmente do avô de seu avô, e assim ate a semente familiar: “o seu pai ficou viúvo quando o meu pai tinha 9 anos, mas o avô nunca mais casou, nem olhou nunca outra mulher... a casa do avô vinham parar os cegos que com o violino cantavam os romances pelos vales da raia... meu avô construía ponteiros de gaitas para ele e para os amigos”.
Não resulta, pois difícil imaginar uma infância apegada a Terra, com os elementos próprios e lembranças de um país que já foi, e obrigaram não só a mudar, com a chegada da modernidade, senão a perder a alma com destruição que com leva todo domínio.
Esta dor, este sentimento de perda de alma foi-se cravando em Rousia, e fermentando sua matriz literária, ate o ponto de se irrigar das dificuldades, durezas, desconfortos e desconsolos da pátria materna, da qual sua obra originaria e rebelde se impregna e transforma, já não em memória a resguardar, senão na memória viva da luta pela liberação que ainda esta por chegar, e ela tanto anseia.
Na suas próprias carnes sofre na adolescência o desprezo e o descrédito, propiciado desde o centro peninsular dominador, século a século, e que se foi instaurando na sociedade galega, com uma mistura de auto-ódio, e raiva; ao converter a cultura e língua da galiza num submundo desprezado e rural, e a cultura alheia e imposta de Castela no centro gravitacional da vida econômica, política e cultural.
“Por duas cousas sou capaz de bater a um homem: pela minha mãe e a minha língua”, viria uma vez a dizer-lhe seu pai, e essas palavras se gravaram como lume na mente duma adolescente carregada com o estigma imposto do desprezo citadino ao rural. Assim, que como é lógico Rousia evolucionaria, assumindo toda luta pela dignificarão da sua pátria como algo próprio, fosse esta projetada no campo que for: político, social, cultural, acadêmico, das relações privadas e mesmo do amor.
Não é, portanto de estranhar que a alma rousiana empapada da luta galega, das suas angustias e medos, ficara como no caso rosaliano fusionada com a do seu povo e a sua pátria na procura dum novo amanhecer ate o de agora ainda não alumbrado.
Não é, portanto tampouco de estranhar que seus poemas reflitam todo o campo de ação onde a luta pela justiça e a memória roubada do ser galego se leva adiante, e que é na pratica nada mais e nada menos que todos os diferentes matizes e relações múltiplas que estabelece a própria vida do ser e da comunidade: “Não me julgues por como escrevo /os meus poemas falam a língua/do povo amordaçado...// eu escrevo para os que não lêem /
ouço as vozes que secam nas gargantas/ com uma alma sempre a mudar de casa” (Poema inicio, de Concha Rousia)
Tampouco será de estranhar que esta poesia aprofunde no mais telúrico e a vez etéreo e espiritual do ser, ate a sensibilidade mesma do mundo dos deuses, e dos seres que por fora nos rodeiam, e são ainda vivos no mundo mágico e camponês galego, presente em todos os seus rituais: “Meu pai foi pobre e sempre se sentiu orgulhoso da sua família... a minha mãe foi uma espécie de santa-filosofo-panteísta que nunca em toda a sua vida perdeu a calma...” Desde essa calma também escreve Rousia, e reivindica a necessidade de mudar, para de novo livres e altivos encarar um país, que em ela se funde e no seu verso sempre prevalece e permanece.
“Pariu os 11 filhos na casa de pedra feita pelos castrejos de Castro Laboreiro apenas assistida por uma mulher da aldeia (isso sim, uma sábia essa mulher, chamava-se: Consuelo)” E então como amostra final a essência vivida: a dureza e a doçura podem juntas habitar e mesmo habituar-se a compartilhar a alegria de estar vivos. Daí Concha também aprendera a ficar firme na terra e viver para alegrar a terra, e minguar a sua dor e sofrimento, com a energia que aprendeu a transformar em fonte de vida, olhando os modos das pessoas e seres que com ela foram e formaram parte das suas vivencias. (Poema U-la Gente... de Concha Rousia):
Segue ai a montanha
O rio
O mar e a gaivota
A chuva
A névoa que esconde os caminhos
E o som do vento
Segue mesmo
O recendo da cozinha
E a lareira
Mas, u-la gente?
U-la gente?
U-la?
Processo criativo, a partires da alma.
A alma esta cheia de sensações que transcendem a substancia dos pensamentos.
Pelo qual só é possível emancipar, dar voz a alma que se esconde mui adentro, quebrando os pré-conceitos que a ração impõe, ao nascer o racional de parâmetros determinados onde a alma (a substância que nos une com o universal), não foi sequer chamada.
É necessário encarar assim um novo enfoque da poesia e vida rosaliana, e quanto menos da criação rousiana, baseado no insubstancial, etéreo, e, no entanto cheio de massa a formar-se; se queremos aportar com acerto ao começo, o ponto de partida criativo desta longa viagem que é o mundo criativo em formação das poetas.
Assim um feito marcante na vida de Rosalia remove seu interior de virtualidades imaginativas, que a sua grande sensibilidade e intuição transformaram e afundaram dentro do ser, no primeiro processo revelador que se desenrola no íntimo, e logo dará a luz, com vigor e força, uma criação com denominação de origem, que só a mão de esta, mais tarde, consagrada autora ao papel pode deitar.
No caso de Rousia, podemos adivinhar a través da leitura pormenorizada da sua obra, uma muito profunda sensibilidade, humildade (lembremos que um das maiores grandezas de Rosalia residia na sua humildade) com um desenrolo extraordinariamente intuitivo, que abre as janelas da sua alma ao entorno que a rodeia: “,Meteu-se a névoa no meu peito / subiu do rio / vagarosa, cansa, invisível
na procura dum leito amolecido / achou seu oco no vazio do meu silêncio / agora morde-me nos beiços com geadas de vidro / que me cravam no cerne mesmo da existência / e eu guardo silêncio enquantochoro” /(do poema: A Rousia)interage com ele, sem mediação da molesta focagem racional, e inicia um dialogo com ele, que imediatamente transcende as coordenadas da racionalidade e se adensa nas espessas ondas sublimes da espiritualidade; fechando contras ao ser racional e equânime. Mui poucas são as criadoras que tem essa profundeza, que escutam essa chamada do mundo e a essência que todo rodeia e sofrem com ele, um poucas que tem essa coragem para arriscar de se embrenhar num mundo onde nem sempre o controlo é possível: “ meus genes tem seu projeto / mas eles são escravos / meus planos são outros / eles vão em engano / eu não sou um corpo / sou um copo / cheio de palavras”.
Numa viajem que nos guia e não podemos guiar, e só com muito tento e suavidade seremos capazes de manobrar habilidosamente nosso leme para o rumo suavemente endireitar. Assim que uma outra coincidência entre o ser Rosalia de Castro, e o ser Concha Rousia é que ambas as duas não duvidam em arriscar e decididamente traspassar as barreiras de esse mundo sem limite, ainda a sabendas que tremendas feridas ficarão impressas na sua alma, que sempre consigo carregaram e nem sempre serão fácies de adequadamente canalizar, ou bem atravesso do poema, ou bem atravesso da luta. Daí que a poesia de ambas, nasça desse processo criador como uma cascata, como um trovão, como um turbilhão que deixa o corpo fadigado, convulsionado para embater, sem piedade, contra o papel que esta na frente, e sem remédio disparar toda carga que se leva dentro, renascendo em palavras .
“Nasci quando as plantas nascem,/ no mês das flores nasci,/ numa alvorada maininha (maininha= tranqüila, suave)/ numa alvorada de Abril.
Por isso me chamam Rosa,/ mas a do triste sorrir/ com espinhas para todos/ sem nenhuma para ti
Duro cravo me encravas-te/ com esse teu maldizer,/ com esse teu pedir tolo/ que não sei que quer de mim,/ pois dei-che quanto dar pude/ avarenta de ti...
O meu coração che mando/ com uma chave para o abrir,/ nem eu tenho mais que dar-che/ nem tu mais que me pedir...” Do livro Cantares Gallegos.
“Quando penso que te foste/ Negra Sombra que me assombras, / ao pé dos meus cabeçalhos/ tornas fazendo-me mofa
Quando imagino que és ida, / no mesmo sol te me amostras/ e és a estrela que brilha/ e és o vento que zoa...” Do livro Folhas Novas
Do Poema ao amor, de Rousia
“O amor é valente / e nos assusta com sua coragem
é risco permanente /é vulnerável
O amor é ânsia / por contar os segredos inconfessos
é alegria /é medo à solidão
4.- PARTE : OS RETOS DO MUNDO
a) A injustiça
A denuncia da injustiça no mundo de Rosalia, tanto de forma individual como coletiva, tem essa visão ilustrada da opressão ao mais débil: ...Nem pedra deixaram, em donde eu vivera;/ sem lar, sem abrigo, morei nas cortinhas,/ ao raso com as lebres dormi na campinha;/ meus filhos... meus anjos!... que tanto queria/ morreram, morreram, com a fome que tinham! (“A Justiça pela mão” do livro Folhas Novas).
Esta denuncia no caso de Rousia, passa afundar ao igual que Rosalia, na analise mais profunda da sociedade que lhes calhou viver, inervando Rousia ate os graus mais profundos da debilidade atual, desde a sua perspectiva de mulher que luta contra a opressão de gênero, de classe, contra o consumo exacerbado promovido pelo grande poder dum Capital esmagador, e de identidade exemplificado na negação da cultura e própria do seu povo, às vezes mascarada de um tímido reconhecimento e da falsa premissa da liberdade individual e dos direitos do individuo. Enquadrando todo este marco, numa única via universal que passa pela transmissão das inquietudes do ser galego ao mundo, não na sua língua senão na dominante econômica e mediaticamente, que nega a universalidade e riqueza patrimonial da língua e cultura de Rosalia.
Contra tudo isto se insurge a nova poeta e alça a sua voz clara de mãe, como em outras épocas a alçara Rosalia de Castro, na salvaguarda dos valores profundos e concretos da galeguidade, que por medo ou assimilação outros escondem: “baixas a olhada / baixas a voz / contas com jeito / não vão assomar essas durezas internas / essas que te fazem querer ocultar as tuas mãos ...” (Do Poema Delikatesem na cidade, de Concha Rousia)
b) O sofrimento
A denuncia da precariedade e do sofrimento, dela emanado, que impregna toda a sociedade galega no diferente momento histórico, esta presente tanto em Rosalia como em Rousia, salvado a distancia temporal entre ambas as autoras. Se em Rosalia se encaixa no marco dum paralelismo irmão entre o sofrimento do ser e o sofrimento da Terra e da coletividade, patente em toda sua obra: ...”Galiza esta prove,/ e à Havana meu vou.../ Adeus, adeus, prendas/ do meu coração!”...”Eis, Galiza, a que dorme sonhos de anjo/ e chora ao acordar/ vágoas que se consolam seus penares/ não curam o seu mal!” (Pra Havana!, poema de Folhas Novas). E que em Rousia destaca pela defensa da identidade, da língua doente, em estado canceroso, como expressão máxima das dores dos seres e a Terra: “... Se os carvalhos falassem / escutaria eu não outra fala / meu o meu refugio entre urzeiras e carpaços / minhas a paz e a liberdade / meu o meu destino / e minha a minha pátria” (Do poema “Se os carvalhos falassem”). Todo entregue ate o limite das forças, entregando ate o mais intimo, como exemplo do sacrifício por uma nobre causa: “O amor e dar tudo / a cambio de nada / e é pedir / é rogar ser escrava” (Do Poema “Poema ao amor”) A maiores, como vinculo da luta atual, que se em tempos de Rosalia era evidente, mas a urgência da grande miséria social e a relativa continuidade garantida da língua num espaço rural, repudiado pelas classes acomodadas, é esmagadoramente majoritário, levam a Rosalia a incluir, e em certo modo diluir a problemática da língua, bem presente apesar na sua poesia, no conjunto desolador duma paisagem de absolutas carências; será porem agora no caso de Rousia a primeira Linha de Fogo, numa nova realidade social altamente mediática, e onde os meios de comunicação de massas estendem por todos os recantos do país a língua castelhana, numa falsa identificação de única língua comum do Estado com o titulo de espanhola; fazendo assumir-se a Galiza como uma região mais do mundo global hispano, no que não pode ser visível e ao que em condição nunca pertenceu. Concha Rousia reage acertadamente denunciando com firmeza o risco de extinção da língua própria da Terra “Kallaika” e ao mesmo tempo o risco de extinção da própria identidade, disseminada e dissolvida na gigante onda expansiva hispana: “Tenho uma língua na boca / e outra nos ouvidos / no meio fica a confusão...” (Poema: “No país das serpes”). Reagindo com a clareza e certeza de ser a sua terra berço da universalidade lusófona, e pelo tanto tendente a criar laços de união e solidariedade com os povos que formam a mesma: “Ergo a minha copa ao céu / que contigo comparto / como comparto a língua / e faço meu desejo / de irmanar-me contigo.” (Poema: Brasil). Assumindo, também a problemática nova dum esvaziamento populacional do mundo camponês na Galiza, já permeado pela utilização massiva da tecnologia comunicativa em castelhano no próprio meio rural, que era o resguardo e garante da continuidade cultural nos tempos de Rosalia. Acrescentado com primórdio, por um movimento, que não azeitando a diversidade, age agressivamente usando os grandes médios que tem a seu alcance para isolar a defensa do galego e da galeguidade, e confundi-la numa habilidosa manobra propagandística com o imobilismo, o reacionário, a mentalidade pateta e pacata ou os olhares estreitos dum grupo de intolerantes.
Ante esta situação atual, Rousia assume a vanguarda literária do seu povo, e como a reencarnação da mãe Rosaliana ecoa ante o mundo luso e em todos os foros onde a liberdade ainda é possível, as novas angustias do seu povo, e os novos e terríveis retos com os que ele se confronta, embora apareçam muito suavizados pelo poder do dominador, mas que não deixam de ser vitais para a sobrevivência do mesmo, como tal, num mundo cambiante e cheio de outras preocupações.
c) O amor, um amplo conceito
Lembram ambas as poetas, na sua poesia de dialogo com o mais intimo, a necessidade humana de dar amor e ser amado, como raiz primeira das gloriosas cantigas medievais galego-portuguesas, com algumas variantes que lhe dão uma nova frescura ao verso, adequado as épocas diferentes que as duas lhes tocou por sorte viver.
Em Rosalia, às vezes o amor que começa em ledice e tem um desenlace de desengano ao estilo da famosa “coita” medieval , que vive presente também em Rousia ainda que menos notório e mais peneirado pelo fumo da saudade e em ocasiões o desassossego imbuído duma certa licença pessoana. Outras, obra em Rosalia a tristeza na distancia dos amantes, e em Rousia os distintos tempos psíquicos em que ambos amantes se desenvolvem. Ou o falso mascarado pela aparência e o transfundo da traição, no tocante a composição rosaliana, enquanto esta aparência se volta armadilha, escuro que gravita na sombra na marcada presencia dos males a espreita na obra rousiana.
5ª PARTE: Técnicas convergentes
a) A escrita
Sendo que “o galego empregado por Rosalia funciona quase como um registro rústico do castelhano”, como afirma Carvalho Calero desde uma focagem muito acadêmica, eu ainda vejo na poeta de Padrão uma procura constante em embelecer a linguaje, e em registrar na sua escrita a riqueza fonética e morfológica das falas que ela escutava; e que a levam, por exemplo, a o uso do ç e de diferentes tipos de acentos, mesmo do circunflexo; motivação e intuição muito habilidosa e a ter em conta, mormente agora quando desde já a primeira normativa do galego da Real Academia da Língua Galega, renunciou quanto menos a seguir este caminho, impondo um galego que não só se afasta da sua vertente lusófona e universal, senão que registre e uniformiza a rica variedade fonética, gramatical e morfológica de nossa bela língua. Reivindica, pois (a meu modo de ver) Rosalia na sua escrita a necessidade essencial dum povo emanar a sua voz das nascentes incrustadas na própria linguajem, em aquele recorrido conceito generalizado na época rosaliana, da volta ao mundo camponês como única solução para dar continuidade e uso a essência cultural, que, por riba, no caso do povo galego ficou obrigada viver restrita a espaço. Aclara Carvalho Calero: “quer dizer, como uma língua que em termos gerais, é galega para a expressão do tradicional campesino, mas recorre o castelhano como língua suplementar para todo o demais”. Então, desde o meu ponto, de vista, a pesar de outros juízos mais eruditos, devemos pensar num nobre empenho da poeta de Padrão de recuperar a voz da linguajem, que ela tenta cultivar, a partires da essência que dela se resguarda no campo, e a falta dum léxico propriamente urbano, se faz evidente uma interação de ambas línguas dentro do universo expressivo e da psique rosaliana. Enquanto, penso eu, o próprio subconsciente da poeta também trabalha dentro desta dupla corrente, de duas línguas que pouco a pouco vão confluído, e não é de estranhar dado a própria intelectualidade galeguista da época ser também vitima da forçada castelhanizacão, desde séculos implementado experiências, de esse estilo, no processo educativo. Processo que desde os Padres Feijoo e Sarmiento (pioneiros na reivindicação do galego como língua natural e genuína de ensino e cultura) ate Rosalia, ainda continuado nos nossos dias, os intelectuais e galegos de seu, tentam reverter. E assim das tentativas rosalianas, encravadas numa altura histórica onde era ainda desconhecido com minúcia o grandioso passado pré e proto-histórico galaíco, e mesmo a herança cultural medieval esplendorosamente desenhada nas cantigas, dizemos desta tentativa da era rosaliana de elevar o galego a categoria de língua literária, e de culto, chegamos as certezas rousianas, fornecidas já por um avançar exemplar no campo histórico e lingüístico, sobre a unidade da língua galego portuguesa e da necessidade de visualização da Galiza ente cultural no mundo; necessidade que só se poderá realizar, como é normal, através do canal natural de veiculação que lhe é próprio, é dizer a Lusofonia.
Complementados, pois neste aspecto, pelo evoluir histórico, os tímidos e certeiros primeiros passos rosalianos de aproximação do galego das suas raízes, se acentuarão em Rousia, com o já claro amanhecer duma escrita plenamente culta e ajeitada à realidade da alma galega, pois emana do seu próprio ser e a irmana com o resto dos seus gêmeos culturais, no curso dum novo século que começa e abre à porta a consolidação duma ortografia galega que por fim consiga o sonho almejado, desde os inícios da luta pela dignidade da cultura galega, ate os nossos dias, da unidade com seus irmãos.
Rousia sabe em que época vive, sabe quais são as novas dores da alma galega, sabe do caminho e sofrimento empreendido pelos primeiros que alçaram a voz contra a marginação e exterminação duma língua e duma cultura milenar, desde a Idade Media, bem alicerçada; sabe dos remédios a aplicar, sabe das alianças a forjar para que a saúde de essa cultura e língua se vigorem, e não duvida em aplicar a sua escrita, o novo Acordo Ortográfico que será a taboa se salvação não só do galego, senão também do repontar e afirmar do português no mundo. Daí a sua escolha e daí também capacidade visionaria.
a.1 ) A diversidade Métrica e de Estilo
A variedade múltiple de esquemas métricos, experimentação constante na métrica e combinação dos mesmos em Rosalia de Castro, surge a traves de Rousia na liberdade que hoje se permite a autora realizar, desde esse inicial caminho trilhado por empreendedoras magistrais como a mesma Rosalia. Enquanto Rousia engrandece o seu horizonte estilístico pesquisando nas águas de distintas tendências, e marcando em eles certa forma de fazer a galega, que vão desde os Haikus japonês ao verso livre numa combinação original, que, no entanto enriquecer o seu universo criativo não resta pessoalidade a sua obra, nem se espalham a modo de não concretizar o sentido da mesma.
b) A procura do simples
“Meses de inverno frio / que eu amo a todo amar; / meses dos fartos rios / i o doce amor do lar. // Meses das tempestades, / imagem da dor / que afrige as mocidades / e as vidas de corta flor” (Rosalia, de Folhas Novas.
“De madeira os ramos da macieira que sobem / pela casa acima / De madeira a trave que suporta o peso do telhado / e o da neve do inverno // De madeira a lata onde descansam as telhas...” (De madeira, de Concha Rousia)
Fugindo do excesso adorno ao estilo barroco, não necessário para aprofundar no nexo, desde a perspectiva romântica de Rosalia, ou desde a mais complexa variedade de fontes rousiana, ambas poetas aprenderam a recriar um universo simples, mais cheio, não rotundo, senão aberto a outras incorporações como conscientes de que a labor poética e uma labor de gerações, que deve ser transformada e transmitida, aprendizado a aprendizado, mas que só se torna atrativa quando chega límpida e em flor, não só ao acadêmico edifício onde trabalham os eruditos, senão também ao povo que lhe presta a voz, ao entorno que lhe rende a paisagem e lhe entrega os sons.
Por elo a complexidade simples do verso rosaliano, e legada a pena de rousia, que misturando a aprendizagem tirada da sua grande mestra, com as novas vanguardas e estilos poéticos, assim como com as achegas de diferentes formas de entender e plasmar a lírica em outras latitudes, convergem na mesma linha do que parece fácil e chega a aprofundar na alma do leitor, e pode mesmo acompanhar tanto as tarefas próprias do mundo operário, como rural ou intelectual, criando um acervo a volta mais enriquecedor e formador, para os humanos que por sorte encontraram em seu caminho o verso refinado e líquido, cômodo de digerir, de ambas poetas.
6ª PARTE: O enriquecimento interior
a) Etos Filosófico
“Bem sei que não há nada / novo em baixo do céu / que antes outros pensaram / as cousas que ora penso eu” (Vaguedás, II, Folhas Novas. Rosalia de Castro)
Como ultrapassando a distancia, atravesso dos tempos, os homens e mulheres sempre se posicionaram interregonado seu interior, e contrastando com o cosmos mais achegado que surgia a sua volta e com eles interage. Mudam os conhecimentos científicos, mudam as tecnologias, mudam as sociedades, mudam as estéticas, mas o pensamento que se abstrai e interroga chega a conclusões muito similares sobre o destino do ser, sobre a maneira de habitar-se a habitar em comunhão e respeito com nós mesmos, e o entorno. Pois senão respeitamos o entorno tampouco nos poderemos respeitar a nós como entes vivos.
Chegam, pois as diversas filosofias, desde o taoísmo aos nossos dias, à conclusão universal de ser diversidades que partimos duma unidade. De ser um microcosmo, que como todo cosmos cristaliza desde um centro, como dizia sabiamente Mircea Eliade.
A esse centro os poetas denominam alma, e acham que desde ela cristaliza, segundo os diversos condicionantes, o ser evoluído, maduro... E, no entanto, temos a impressão, como nos sábios versos de Rosalia, que o nosso pensamento não é mais que um ligeiro acrescentar, peneirado pelas distintas circunstancias, desse pensamento tal vez herdado, tal vez iniciado desde a noite dos tempos, quando o primeiro ser humano se pus a reparar, olhando-se assim, olhando a estrelas a sua volta, olhando a natureza ao seu encontro, no dilema da sua peculiaridade.
E em esse pensamento Rosalia e Rousia acrescentam novos retos, necessários de valorizar e encarar nos tempos que lhes coube por sorte viver, mas cientes dessa constante filosófica, de nunca chegar a encontrar, ou ter na palma da mão a pedra filosofal, mas não por elo abandonam a pesquisa, porque a espiral de perguntas e respostas ainda deve continuar e tal vez nunca se esgote, sabendo no fundo as respostar vir-se a dar na conexão interior com o todo que é o poema.
“... eu são que fica / eu são quem herda o mundo / tudo meu / quem te siga é estrangeiro / meu o mundo / da merla...” (Do Poema Tudo da Merla, de Rousia)
b) O componente feminino
Inevitavelmente Rosalia se pensa como mulher, como mulher se conhece e conhece o seu contorno. Reivindica-se como mulher, com diretos, num momento muito mais difícil do atual, para nessas reivindicações, porem também ser vitima da mentalidade da época e não desenvolve um feminismo pleno, isento de complexos: a sua vida, cartas e reflexões são eco de este pormenor. Mesmo às vezes associa esse “instinto feminino da necessidade de proteção” a condição de mulher; a pesar ainda assim, como numa contradição explicável pelo peso das convenções do seu tempo, Rosalia e mesmo consciente da fortaleça duma mulher, que chega inclusive a sobre passar os limites naturais impostos, onde os homens poucas vezes batalha escolhem: “Cada noite eu chorando pensava: / que esta noite tão grande não fora... // ...Mais a luz insolente do dia, / constante e traidora / penetrava radiante de gloria / ate o leito onde eu me tendera / com as minhas congoxas // Desde então procurei as trevas / mais negras e fundas / e procurei-as em vão, que sempre / trás da noite topava com a aurora” (de Folhas Novas).
Essa bravura não depara nem da defesa dos filhos, nem na valentia e risco à hora da assumir uma vida esquecida no pranto e a insatisfação, como si estas foram livremente eleitas.
Rousia usufrutuária já dos avanços, ainda insuficientes, mas firmemente levados à frente pelas suas predecessoras de gênero, e os movimentos que pela igualdade da mulher foram forjados desde finais da época rosaliana e princípios do século XX, ate os nossos dias, encarara a feminilidade, com a raça lutadora da mulher que sabe ainda que resta muito trajeto a avançar, e encarado as diversas peculiaridades e os diversos novos cenários onde de novo é disseminado o ardor machista, que sutilmente penetra o tenta penetrar, para seguir relegando a mulher ao espaço acomodatício, onde a ele lhe for interessante e maleável, para seguir mantendo e exercitando a supremacia. Daí a incorporação ao trabalho da mulher, não a liberou definitivamente do seu rol de ama de casa, quee muitas vezes compagina o mesmo o com a necessidade de achegar renda familiar, formar-se e viver em plenitude a sua vida.
Consciente Rousia da necessidade de seguir combatendo, para sem falsas publicidades que situam a mulher numa liberação simulada, seu verso troara forte contra aqueles que ainda aspiram a resignar à mesma na sombra do macho em destaque. Associando também essa luta a luta pela emancipação dupla: mulher ente – mulher galega.
“... eu escrevo com o sangue que queima / cicatrizando as feridas que me causa / o parto de um poema /
eu / como poeta / gostaria saber da contenção / de controle da palavra / mas eu tenho dentro um cavalo bravo” ( Do Poema Versos sem amansar )
Rousia, pois é a poeta brava, a poeta que reivindica um mundo possível para mulher, para pátria, para os filhos, para igualdade.
c) A Condição de mãe
Predecessora de novo Rosalia. Rosalia vai abrir um caminho pelo que Rousia penetrara sem ela reparar, e que significa para Galiza, tal vez uma segunda oportunidade de dar a luz uma segunda mãe literária.
A grandeza de Rosalia reside, a meu modo de ver, em que a poeta de Padrão misturara as dores próprias da sua existência com as dores infringidas a seu povo desprezado, e confinado a uma misera existência, por parte de um poder miserável e alheio.
Rousia fará o próprio, numa segunda leitura, mais pausada, mais serena, menos afogada pelo sentimento de morte próxima a chegar, da morte caminhar dentro dela, como no caso rosaliano. Fará uma nova experiência, misturando a sua existência vital galega, que pisou a terra e mamou a raiz da pátria, desde a infância, a experiência terrível da adolescente rejeitada na sua própria língua, e cultura; com a moça liberada, viajada, que aprendeu no outro continente o despertar a sua condição, e seu eterno direito de pedir a palavra, com o compromisso a seguir de saber escutar ao próximo. Fará, pois então Rousia, uma mistura com as novas realidades galegas, com as novas opressões melhor disfarçadas, e com as batalhas e dores universais que atingem a toda a humanidade: os ataques a biodiversidade, a diversidade cultural múltipla, ao direito ao trabalho e a uma vida digna, etc... Fazendo confluir num elo poético toda esta vastidão de sentimentos, com a necessidade de proteção do inferior, do menos adaptado, do menos dotado... E sem ela o saber, convertera a todos este seres da sua pátria, e do planeta nos seus filhos prediletos. Nos filhos que amarguram que matam, mas também que a trazem a vida e lhe dão forças para denunciar com voz alta e clara o sofrimento dos mesmos.
“eu sou um ser selvagem com aparência humana
eu sou a natureza viva que se vê a morrer
eu sou todos os seres humanos do planeta
e sinto simultaneamente tudo o que me nega” ( Do Poema Versos sem amansar )
Assim se tornara Rousia na nova mãe galega dos sem voz, dos sem língua, das retraídas num falso rol de mulher, dos expulsos da sua vida e do mercado laborar... Elevando desde a sua alma a esperança no renascer dos seus filhos e filhas, e da sua cultura universal como ponte também para o inicio duma nova unidade, hoje lusófona, que liberte a Galiza das suas cadeias; e manha universal que unifique aos povos nas diversas sensibilidades e nas diversas formas de fala.
Enquanto seguira transmitindo, nessa outra função de mãe resguardo da memória anterior e futura, aos seus filhos mais próximos a idéia de um ser só ficar completo, quando vive e cresce dentro do seio livre da sua mãe galega.
Língua minha
perdoa
Língua minha
extensa carícia do Universo
alongado eco que banha os continentes
e nós...
a renegar dela
Língua minha
grande
amiga
independente
esquece este terrunho que te ignora
logo de te ter parido
a ti renuncia
Que classe de mãe és tu...
...Galiza
que o mais valioso
o mais eterno
teu filho
teu idioma
aborreces
chamando-o estrangeiro
A minha língua é emigrante
como eu
foi pelo mundo
medrou
apanhou sotaques
como eu
E a ti Terra...
...Galiza
eu pergunto
novamente pergunto
que classe de mãe és
que porque medra tu filho
tu o rejeitas
Língua minha
ergue o teu berro
eu dar-ei-che a minha voz
para que fales
para que sussurres ao ouvido
para que grites...
até que a Galiza te reconheça
(Concha Rousia)
BIBLIOGRAFIA
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· ¿Qué quieren las mujeres?. E.L. Eichenbaum / S. Orbach (Editorial Revolución, S.A.1987)
· La Comunicación no Verbal. Flora Davis. (Alianza Editorial, 1987)
· Las Peras del Olmo. Octavio Paz (Ed. Seix Barral, S.A. 1983)
SITIOS EM INTERNET
Recanto das Letras. Autores: Concha Rousia.
O Poeta Universal. Poemas de Concha Rousia
Vieiros: Galicia Hoxe.
Vídeos:
Fontes Auxiliares: Rosalia de Castro em Internet
DE ROSALIA A CONCHA ROUSIA.
Estudo Comparativo da nova poeta (considero poetisa um termo machista, sendo poeta já de por si um termo feminino) Concha Rousia, através da alma rosaliana.
Por Artur Alonso
1.- Focagem: Critica da Realidade, contra a irrealidade galega.
Contra essa tão comum, ainda hoje viva, critica literária que pretende circunscrever a realidade da criação escrita galega, tanto a histórica como a atual, a uma relação quase idílica entre as gentes, o fato literário e a paisagem em si mesma: “... A poesia galega, toda musica, toda queixas, suspiros e doces sorrisinhos, murmurando umas vezes com os ventos misteriosos dos bosques, bailando outra com o raio do sol que vai sereninho por riba das águas dum rio farto e grave...” (Prólogo de Cantares Gallegos. Rosália de Castro Obras Completas, Tomo I. 1983).
Esta critica que apresenta a atualidade de cada época, como herdeira dessa saudade quase inocente, de esse povo humilde e enroscado sobre si mesmo, falto de brio e coragem na sua humildade singular; parte da errada focagem que automaticamente situa o referente galego a um fato regional, com aspectos próprios que prevalecem, afastado do tronco comum universal, e unido nas sombras que não se vem, mas se pressentem, de um marco cultural referencial, superior e comum a todo o Estado Unificador. Unidade que parece magicamente fosse, a traves dos séculos implementada, pela natural superioridade de essa suposta cultura comum; e onde a peculiaridade própria de cada região se dilui em prol da inçada língua central de coesão. Esta critica, de algum modo, associa e assume, sem reparar no efeito, a diferencia galega como uma realidade particular dentro do tronco maior e melhor sustentado de essa imaginada cultura Estatal, para todos os povos da Espanha, única universal.
Esta focagem critica que ainda prevalece e diríamos tende a ver-se oficial, intui que o fato peculiar e particular desta forma de entender galeguidade, é interiorizado de modo natural, coletiva e individualmente pelo ser galego, como um feito cientificamente demonstrado da sua raiz pertencer ao âmbito familiar privado, ao âmbito das relações sociais que se cernem a mesma jurisdição delimitada pela particularidade assente na visão regional; e que em modo algum gera direitos, mais alem de esse ambíguo, desarraigado e desconexo mundo, com diferencias que não podemos salvar de freguesia a freguesia; e que pela mesma inércia e natural evolução da vida é, que lamentavelmente, a dia de hoje, tende a sua extinção.
Daí que nos insurjamos neste estudo, contra este tipo de critica no campo literário, pois a nosso modo de ver, contribui a reforçar o papel subsidiário resignadamente aceite, dos valores, da cultura e da língua da Galiza, a outros valores, outra língua e outra cultura, falsamente denominada de unidade, e assumida por isso mesmo, como mais forte e superior.
Nada mais torpe e longe da realidade que descrever este processo, com o objetivo de enaltecer e glorificar a galeguidade, que olhar o perfil retraído e garimoso do galego como algo sublime e sutil, sem ser capazes de ver ai, os séculos de maltrato e marginação a sua língua e cultura. O auto-ódio assumido durante décadas e décadas em que o galego foi considerado um dialeto sem préstimo e o castelhano e seu valores idioma de cultura e prestigio. A baixa auto-estima gerada em gerações e gerações obrigadas a serem escolarizadas em uma língua e uma cultura alheia a sua própria vida e vital realização.
Inocentemente seguir associado à dureza da alma galega, a sua obrigada cerração, a uma característica intrínseca associada ao clima ou a paisagem, só ajuda a continuar apagando da memória coletiva a historia de substituição do poder galego, e as famílias nobiliárias galegas, por famílias e vassalos da causa castelhana, numa época em que na península se disputavam os diferentes reinos à superioridade na Ibéria. Criando-se a partires daí um mundo organizado e ordenado administrativamente em castelhano, em contraste com um mundo desagregado, degradado, ignorado e isolado na língua própria da Galiza; usado a miúdo como referente de atraso.
Desenhar, pois o auto-ódio e a auto-estima ruída, o desejo de abandono duma realidade de pratica marginação cultural, a nível coletivo e individual, como original, imaginativa e sabia, na vontade intuitiva da resistência galega, mas fechada para sim ou inserida numa naturalidade de conformidade feliz; e a sua vez integrar toda esta triste contagem numa paisagem nascida como parte fundamental de esta imaginaria e fantástica construção critica literária, onde o galego e a sua cultura subsistem e prevalecem no particular, porem estão expostos a contaminação ou contagio na sua vertente universal, nos parece sem nenhuma duvida, um exemplo perfeito de estratégia a não seguir, que condiciona a viabilidade da cultura galega e sua emancipação dum universo que a condena a extinção.
Negamo-nos, pois a seguir esta senda e construímos uma nova focagem da critica literária neste estudo, continuista da já iniciada por figuras como Guerra da Cal, Jenaro Marinhas Del Valle, ou mais recentemente Joel R. Gomes... E vamos a reconhecer a paisagem literária galega como o que na realidade é: uma riquíssima variedade na unidade também múltipla do mundo cultural galego lusófono, onde a nossa língua e cultura podem interagir em pé de igualdade, achegando novos frutos e enriquecendo-se de tão vasta e múltipla diversidade.
Começaremos, pois nosso estudo com esta premissa, e adotaremos a norma oficial do Novo Acordo do mundo luso, como veiculo de transmissão do saber a traves de todo o estudo, sem separarmo-nos dela, nem sequer para copiar um texto no original, pois opinamos que a dia de hoje como dizia Carvalho Calero, o galego só pode ser ou Galego Castelhano ou Galego Português. Por os motivos já expressados anteriormente de sobra se faz evidente porque optamos pelo Galego Português.
2.ª PARTE- Dificuldade
Fazer um estudo comparativo entre o mito Rosaliano: ...”Rosalia é sem discussão, o meirante (maior, absolutamente) poeta que deu a Galiza nos tempos modernos. Essa grandeza vem determinada, mui em essência, pela sua dimensão genial. Rosália foi um gênio, como os seus altos e baixos, com os acertos e erros próprios da pessoa que transita espiritualmente por eidos onde os demais mortais apenas têm cabida” (Domingo Garcia Sabell, em “A verdade de Rosalia”, prólogo do livro: “Rosalia de Castro. Documentação Biográfica e Bibliográfica crítica. Volume I (1837-1940)”). Pois bem fazer esse estudo entre a santificada no altar de ilustres galegos Rosália de Castro, assim como a universal figura estudada em universidades de todos os continentes, e uma poeta que esta a dar os seus primeiros frutos (não assim os primeiros passos, pois sua obra esta a ser bem divulgada a traves das novas tecnologias da comunicação global), dizíamos comporta um alto grau de risco, ao não saberem como diz Garcia Sabell se será a nossa escolhida uma dessas pessoas que esta a transitar espiritualmente por eidos onde os demais mortais apenas têm cabida; mais ao sim intuírem que em Concha Rousia o verso já se fez carne e habita no interior da sua alma, o risco se reduze. Portanto, a nosso modo de ver, podemos diminuir este risco uma vez analisada a trajetória ascendente de Rousia, e uma vez fixados os parâmetros espirituais que prendem e enraízam a alma distante das duas poetas.
3ª PARTE: Compreensão da Alma das Poetas
“Tem-se dito mil vezes que a poeta Rosália de Castro é uma voz galega, fundamente galega, que move e comove a nossa condição de galegos. Tem-se dito, é e certo, mas deveríamos entende-lo sem limitações. Estamos, certamente, ante uma poderosa voz galega, como voz reveladora e mesmo encenadora, no entanto essa voz tem acentos e dimensões que a convertem numa das mais importantes vozes da poesia universal” (Xesús Alonso Montero, no Limiar. pag. 23 – Sobre a vida e a obra de Rosália. Bibliografia de Autores Gallegos:”Rosalia de Castro. Obras completas”. Tomo I)
Uma alma vai-se abrindo a sua própria realidade. A alma rosaliana, como toda alma, se abre a esta realidade e se vê impregnada e marcada pela mesma; por acontecimentos verdadeiramente penetrantes, que a levaram necessariamente a posicionar-se como ser e a dar respostas a estes. Do seu modo de assimilar estas vivencias, do seu modo de digerir estas angustias vitais, no seu modo de canalizar estas feridas e as próprias doenças, se forjara a Rosalia mulher e a Rosalia poeta:...”E se eu não pude nunca fugir as minhas tristezas os meus versos menos”... ”Ai! A minha tristeza, musa dos nossos tempos (consciência do papel da melancolia na época romancista), conhece-me bem, e de muitos anos atrás; olha-me como sua, e é outra como eu... ” (Rosalia de Castro. Duas Palavras da Autora, para o prólogo da primeira edição de Folhas Novas)
Na nascença a marca de ser filha de mãe fidalga e pai crego (sacerdote), e dizer para os costumes da época filha “ilegítima” e de mãe pecadora, o que marcara a distancia na infância entre mãe e filha, criando-se Rosália em Ortunho numa aldeia perto de Santiago de Compostela, de cuja paisagem estamos seguros se impregnaria uma menina, que por necessidade, devera tender a acompanhar-se da sua própria imaginação, domesticando com ela a carga de sentimentos negativos que sua realidade lhe depara: “Nós (referindo-se as mulheres) somos harpas, só de duas cordas: a imaginação e o sentimento” (mesmo prólogo a primeira edição de Folhas Novas).
Concha Rousia nascerá no ano 62, no seu de uma humilde família camponesa, mas muito arraigada na tradição galega, com valores muito claros, que o pai e mãe transmitirão a todos os seus filhos.
A figura paterna influenciará definitivamente a Rousia, a ética de vida transmitida de geração em geração afirmaram na poeta o sentimento, de que por muitos lugares que ela percorra na sua vida, e poderão ser muitos, não será possível encontrar outro que supere em valores éticos e humanos, assim como de respeito ao entorno, aqueles que ela aprendeu na mesma aldeia da baixa Limia, onde a montanha da Rousia dar-lhe há o sobrenome a poeta.
Fora a numero 10 de 11 irmãos, seu pai nascera no ano 1915... Como a mesma poeta me confessaria em carta datada em Agosto 2009: “A idade deles fez que o mundo deles fosse antigo para”... Desde essa distancia e desde essa ternura o mundo rousiano se formaria numa eterna saudade que sempre traz aquilo que bem de longe e se faz presente de modo a agonizar num mundo não vivido, que ainda ela vivencia; distante do atual, mas com que literariamente estabelece um dialogo.
Também, em certo modo a tristeza oculta do pai, marcado pelos anos grises duma Galiza, dormida e represada, trás o trunfo do “franquismo”, assim como pela perda da sua mãe: “por beber numa fonte fria quando vinha da feira de Ginzo, havendo pouco dado a luz ao pai da poeta” (dados da correspondência particular da poeta), marcaram também em certa forma a alma da nossa criadora, tendo em conta que a relação filial com o pai esta cheia de múltiplas coincidências, como por exemplo ambos os dous terem nascido um 4 de Outubro: “A minha mãe sempre diz que o primeiro que ele fez foi ir andando os 8 km que há até a casa do concelho de Os Brancos para me 'sentar no livro' e que ficasse o mesmo dia que ele e a sua mãe”.
O vinculo afetivo porem se alongava ate a figura materna, deste jeito a poeta herdaria da sua mãe o nome: “Maria da Conceição... Assim eu nasci e cresci com um forte vinculo com ambos... o dia do santo eu era como a 'mãe'”. Esse vinculo se enraizava ate a figura do avô, e provavelmente do avô de seu avô, e assim ate a semente familiar: “o seu pai ficou viúvo quando o meu pai tinha 9 anos, mas o avô nunca mais casou, nem olhou nunca outra mulher... a casa do avô vinham parar os cegos que com o violino cantavam os romances pelos vales da raia... meu avô construía ponteiros de gaitas para ele e para os amigos”.
Não resulta, pois difícil imaginar uma infância apegada a Terra, com os elementos próprios e lembranças de um país que já foi, e obrigaram não só a mudar, com a chegada da modernidade, senão a perder a alma com destruição que com leva todo domínio.
Esta dor, este sentimento de perda de alma foi-se cravando em Rousia, e fermentando sua matriz literária, ate o ponto de se irrigar das dificuldades, durezas, desconfortos e desconsolos da pátria materna, da qual sua obra originaria e rebelde se impregna e transforma, já não em memória a resguardar, senão na memória viva da luta pela liberação que ainda esta por chegar, e ela tanto anseia.
Na suas próprias carnes sofre na adolescência o desprezo e o descrédito, propiciado desde o centro peninsular dominador, século a século, e que se foi instaurando na sociedade galega, com uma mistura de auto-ódio, e raiva; ao converter a cultura e língua da galiza num submundo desprezado e rural, e a cultura alheia e imposta de Castela no centro gravitacional da vida econômica, política e cultural.
“Por duas cousas sou capaz de bater a um homem: pela minha mãe e a minha língua”, viria uma vez a dizer-lhe seu pai, e essas palavras se gravaram como lume na mente duma adolescente carregada com o estigma imposto do desprezo citadino ao rural. Assim, que como é lógico Rousia evolucionaria, assumindo toda luta pela dignificarão da sua pátria como algo próprio, fosse esta projetada no campo que for: político, social, cultural, acadêmico, das relações privadas e mesmo do amor.
Não é, portanto de estranhar que a alma rousiana empapada da luta galega, das suas angustias e medos, ficara como no caso rosaliano fusionada com a do seu povo e a sua pátria na procura dum novo amanhecer ate o de agora ainda não alumbrado.
Não é, portanto tampouco de estranhar que seus poemas reflitam todo o campo de ação onde a luta pela justiça e a memória roubada do ser galego se leva adiante, e que é na pratica nada mais e nada menos que todos os diferentes matizes e relações múltiplas que estabelece a própria vida do ser e da comunidade: “Não me julgues por como escrevo /os meus poemas falam a língua/do povo amordaçado...// eu escrevo para os que não lêem /
ouço as vozes que secam nas gargantas/ com uma alma sempre a mudar de casa” (Poema inicio, de Concha Rousia)
Tampouco será de estranhar que esta poesia aprofunde no mais telúrico e a vez etéreo e espiritual do ser, ate a sensibilidade mesma do mundo dos deuses, e dos seres que por fora nos rodeiam, e são ainda vivos no mundo mágico e camponês galego, presente em todos os seus rituais: “Meu pai foi pobre e sempre se sentiu orgulhoso da sua família... a minha mãe foi uma espécie de santa-filosofo-panteísta que nunca em toda a sua vida perdeu a calma...” Desde essa calma também escreve Rousia, e reivindica a necessidade de mudar, para de novo livres e altivos encarar um país, que em ela se funde e no seu verso sempre prevalece e permanece.
“Pariu os 11 filhos na casa de pedra feita pelos castrejos de Castro Laboreiro apenas assistida por uma mulher da aldeia (isso sim, uma sábia essa mulher, chamava-se: Consuelo)” E então como amostra final a essência vivida: a dureza e a doçura podem juntas habitar e mesmo habituar-se a compartilhar a alegria de estar vivos. Daí Concha também aprendera a ficar firme na terra e viver para alegrar a terra, e minguar a sua dor e sofrimento, com a energia que aprendeu a transformar em fonte de vida, olhando os modos das pessoas e seres que com ela foram e formaram parte das suas vivencias. (Poema U-la Gente... de Concha Rousia):
Segue ai a montanha
O rio
O mar e a gaivota
A chuva
A névoa que esconde os caminhos
E o som do vento
Segue mesmo
O recendo da cozinha
E a lareira
Mas, u-la gente?
U-la gente?
U-la?
Processo criativo, a partires da alma.
A alma esta cheia de sensações que transcendem a substancia dos pensamentos.
Pelo qual só é possível emancipar, dar voz a alma que se esconde mui adentro, quebrando os pré-conceitos que a ração impõe, ao nascer o racional de parâmetros determinados onde a alma (a substância que nos une com o universal), não foi sequer chamada.
É necessário encarar assim um novo enfoque da poesia e vida rosaliana, e quanto menos da criação rousiana, baseado no insubstancial, etéreo, e, no entanto cheio de massa a formar-se; se queremos aportar com acerto ao começo, o ponto de partida criativo desta longa viagem que é o mundo criativo em formação das poetas.
Assim um feito marcante na vida de Rosalia remove seu interior de virtualidades imaginativas, que a sua grande sensibilidade e intuição transformaram e afundaram dentro do ser, no primeiro processo revelador que se desenrola no íntimo, e logo dará a luz, com vigor e força, uma criação com denominação de origem, que só a mão de esta, mais tarde, consagrada autora ao papel pode deitar.
No caso de Rousia, podemos adivinhar a través da leitura pormenorizada da sua obra, uma muito profunda sensibilidade, humildade (lembremos que um das maiores grandezas de Rosalia residia na sua humildade) com um desenrolo extraordinariamente intuitivo, que abre as janelas da sua alma ao entorno que a rodeia: “,Meteu-se a névoa no meu peito / subiu do rio / vagarosa, cansa, invisível
na procura dum leito amolecido / achou seu oco no vazio do meu silêncio / agora morde-me nos beiços com geadas de vidro / que me cravam no cerne mesmo da existência / e eu guardo silêncio enquantochoro” /(do poema: A Rousia)interage com ele, sem mediação da molesta focagem racional, e inicia um dialogo com ele, que imediatamente transcende as coordenadas da racionalidade e se adensa nas espessas ondas sublimes da espiritualidade; fechando contras ao ser racional e equânime. Mui poucas são as criadoras que tem essa profundeza, que escutam essa chamada do mundo e a essência que todo rodeia e sofrem com ele, um poucas que tem essa coragem para arriscar de se embrenhar num mundo onde nem sempre o controlo é possível: “ meus genes tem seu projeto / mas eles são escravos / meus planos são outros / eles vão em engano / eu não sou um corpo / sou um copo / cheio de palavras”.
Numa viajem que nos guia e não podemos guiar, e só com muito tento e suavidade seremos capazes de manobrar habilidosamente nosso leme para o rumo suavemente endireitar. Assim que uma outra coincidência entre o ser Rosalia de Castro, e o ser Concha Rousia é que ambas as duas não duvidam em arriscar e decididamente traspassar as barreiras de esse mundo sem limite, ainda a sabendas que tremendas feridas ficarão impressas na sua alma, que sempre consigo carregaram e nem sempre serão fácies de adequadamente canalizar, ou bem atravesso do poema, ou bem atravesso da luta. Daí que a poesia de ambas, nasça desse processo criador como uma cascata, como um trovão, como um turbilhão que deixa o corpo fadigado, convulsionado para embater, sem piedade, contra o papel que esta na frente, e sem remédio disparar toda carga que se leva dentro, renascendo em palavras .
“Nasci quando as plantas nascem,/ no mês das flores nasci,/ numa alvorada maininha (maininha= tranqüila, suave)/ numa alvorada de Abril.
Por isso me chamam Rosa,/ mas a do triste sorrir/ com espinhas para todos/ sem nenhuma para ti
Duro cravo me encravas-te/ com esse teu maldizer,/ com esse teu pedir tolo/ que não sei que quer de mim,/ pois dei-che quanto dar pude/ avarenta de ti...
O meu coração che mando/ com uma chave para o abrir,/ nem eu tenho mais que dar-che/ nem tu mais que me pedir...” Do livro Cantares Gallegos.
“Quando penso que te foste/ Negra Sombra que me assombras, / ao pé dos meus cabeçalhos/ tornas fazendo-me mofa
Quando imagino que és ida, / no mesmo sol te me amostras/ e és a estrela que brilha/ e és o vento que zoa...” Do livro Folhas Novas
Do Poema ao amor, de Rousia
“O amor é valente / e nos assusta com sua coragem
é risco permanente /é vulnerável
O amor é ânsia / por contar os segredos inconfessos
é alegria /é medo à solidão
4.- PARTE : OS RETOS DO MUNDO
a) A injustiça
A denuncia da injustiça no mundo de Rosalia, tanto de forma individual como coletiva, tem essa visão ilustrada da opressão ao mais débil: ...Nem pedra deixaram, em donde eu vivera;/ sem lar, sem abrigo, morei nas cortinhas,/ ao raso com as lebres dormi na campinha;/ meus filhos... meus anjos!... que tanto queria/ morreram, morreram, com a fome que tinham! (“A Justiça pela mão” do livro Folhas Novas).
Esta denuncia no caso de Rousia, passa afundar ao igual que Rosalia, na analise mais profunda da sociedade que lhes calhou viver, inervando Rousia ate os graus mais profundos da debilidade atual, desde a sua perspectiva de mulher que luta contra a opressão de gênero, de classe, contra o consumo exacerbado promovido pelo grande poder dum Capital esmagador, e de identidade exemplificado na negação da cultura e própria do seu povo, às vezes mascarada de um tímido reconhecimento e da falsa premissa da liberdade individual e dos direitos do individuo. Enquadrando todo este marco, numa única via universal que passa pela transmissão das inquietudes do ser galego ao mundo, não na sua língua senão na dominante econômica e mediaticamente, que nega a universalidade e riqueza patrimonial da língua e cultura de Rosalia.
Contra tudo isto se insurge a nova poeta e alça a sua voz clara de mãe, como em outras épocas a alçara Rosalia de Castro, na salvaguarda dos valores profundos e concretos da galeguidade, que por medo ou assimilação outros escondem: “baixas a olhada / baixas a voz / contas com jeito / não vão assomar essas durezas internas / essas que te fazem querer ocultar as tuas mãos ...” (Do Poema Delikatesem na cidade, de Concha Rousia)
b) O sofrimento
A denuncia da precariedade e do sofrimento, dela emanado, que impregna toda a sociedade galega no diferente momento histórico, esta presente tanto em Rosalia como em Rousia, salvado a distancia temporal entre ambas as autoras. Se em Rosalia se encaixa no marco dum paralelismo irmão entre o sofrimento do ser e o sofrimento da Terra e da coletividade, patente em toda sua obra: ...”Galiza esta prove,/ e à Havana meu vou.../ Adeus, adeus, prendas/ do meu coração!”...”Eis, Galiza, a que dorme sonhos de anjo/ e chora ao acordar/ vágoas que se consolam seus penares/ não curam o seu mal!” (Pra Havana!, poema de Folhas Novas). E que em Rousia destaca pela defensa da identidade, da língua doente, em estado canceroso, como expressão máxima das dores dos seres e a Terra: “... Se os carvalhos falassem / escutaria eu não outra fala / meu o meu refugio entre urzeiras e carpaços / minhas a paz e a liberdade / meu o meu destino / e minha a minha pátria” (Do poema “Se os carvalhos falassem”). Todo entregue ate o limite das forças, entregando ate o mais intimo, como exemplo do sacrifício por uma nobre causa: “O amor e dar tudo / a cambio de nada / e é pedir / é rogar ser escrava” (Do Poema “Poema ao amor”) A maiores, como vinculo da luta atual, que se em tempos de Rosalia era evidente, mas a urgência da grande miséria social e a relativa continuidade garantida da língua num espaço rural, repudiado pelas classes acomodadas, é esmagadoramente majoritário, levam a Rosalia a incluir, e em certo modo diluir a problemática da língua, bem presente apesar na sua poesia, no conjunto desolador duma paisagem de absolutas carências; será porem agora no caso de Rousia a primeira Linha de Fogo, numa nova realidade social altamente mediática, e onde os meios de comunicação de massas estendem por todos os recantos do país a língua castelhana, numa falsa identificação de única língua comum do Estado com o titulo de espanhola; fazendo assumir-se a Galiza como uma região mais do mundo global hispano, no que não pode ser visível e ao que em condição nunca pertenceu. Concha Rousia reage acertadamente denunciando com firmeza o risco de extinção da língua própria da Terra “Kallaika” e ao mesmo tempo o risco de extinção da própria identidade, disseminada e dissolvida na gigante onda expansiva hispana: “Tenho uma língua na boca / e outra nos ouvidos / no meio fica a confusão...” (Poema: “No país das serpes”). Reagindo com a clareza e certeza de ser a sua terra berço da universalidade lusófona, e pelo tanto tendente a criar laços de união e solidariedade com os povos que formam a mesma: “Ergo a minha copa ao céu / que contigo comparto / como comparto a língua / e faço meu desejo / de irmanar-me contigo.” (Poema: Brasil). Assumindo, também a problemática nova dum esvaziamento populacional do mundo camponês na Galiza, já permeado pela utilização massiva da tecnologia comunicativa em castelhano no próprio meio rural, que era o resguardo e garante da continuidade cultural nos tempos de Rosalia. Acrescentado com primórdio, por um movimento, que não azeitando a diversidade, age agressivamente usando os grandes médios que tem a seu alcance para isolar a defensa do galego e da galeguidade, e confundi-la numa habilidosa manobra propagandística com o imobilismo, o reacionário, a mentalidade pateta e pacata ou os olhares estreitos dum grupo de intolerantes.
Ante esta situação atual, Rousia assume a vanguarda literária do seu povo, e como a reencarnação da mãe Rosaliana ecoa ante o mundo luso e em todos os foros onde a liberdade ainda é possível, as novas angustias do seu povo, e os novos e terríveis retos com os que ele se confronta, embora apareçam muito suavizados pelo poder do dominador, mas que não deixam de ser vitais para a sobrevivência do mesmo, como tal, num mundo cambiante e cheio de outras preocupações.
c) O amor, um amplo conceito
Lembram ambas as poetas, na sua poesia de dialogo com o mais intimo, a necessidade humana de dar amor e ser amado, como raiz primeira das gloriosas cantigas medievais galego-portuguesas, com algumas variantes que lhe dão uma nova frescura ao verso, adequado as épocas diferentes que as duas lhes tocou por sorte viver.
Em Rosalia, às vezes o amor que começa em ledice e tem um desenlace de desengano ao estilo da famosa “coita” medieval , que vive presente também em Rousia ainda que menos notório e mais peneirado pelo fumo da saudade e em ocasiões o desassossego imbuído duma certa licença pessoana. Outras, obra em Rosalia a tristeza na distancia dos amantes, e em Rousia os distintos tempos psíquicos em que ambos amantes se desenvolvem. Ou o falso mascarado pela aparência e o transfundo da traição, no tocante a composição rosaliana, enquanto esta aparência se volta armadilha, escuro que gravita na sombra na marcada presencia dos males a espreita na obra rousiana.
5ª PARTE: Técnicas convergentes
a) A escrita
Sendo que “o galego empregado por Rosalia funciona quase como um registro rústico do castelhano”, como afirma Carvalho Calero desde uma focagem muito acadêmica, eu ainda vejo na poeta de Padrão uma procura constante em embelecer a linguaje, e em registrar na sua escrita a riqueza fonética e morfológica das falas que ela escutava; e que a levam, por exemplo, a o uso do ç e de diferentes tipos de acentos, mesmo do circunflexo; motivação e intuição muito habilidosa e a ter em conta, mormente agora quando desde já a primeira normativa do galego da Real Academia da Língua Galega, renunciou quanto menos a seguir este caminho, impondo um galego que não só se afasta da sua vertente lusófona e universal, senão que registre e uniformiza a rica variedade fonética, gramatical e morfológica de nossa bela língua. Reivindica, pois (a meu modo de ver) Rosalia na sua escrita a necessidade essencial dum povo emanar a sua voz das nascentes incrustadas na própria linguajem, em aquele recorrido conceito generalizado na época rosaliana, da volta ao mundo camponês como única solução para dar continuidade e uso a essência cultural, que, por riba, no caso do povo galego ficou obrigada viver restrita a espaço. Aclara Carvalho Calero: “quer dizer, como uma língua que em termos gerais, é galega para a expressão do tradicional campesino, mas recorre o castelhano como língua suplementar para todo o demais”. Então, desde o meu ponto, de vista, a pesar de outros juízos mais eruditos, devemos pensar num nobre empenho da poeta de Padrão de recuperar a voz da linguajem, que ela tenta cultivar, a partires da essência que dela se resguarda no campo, e a falta dum léxico propriamente urbano, se faz evidente uma interação de ambas línguas dentro do universo expressivo e da psique rosaliana. Enquanto, penso eu, o próprio subconsciente da poeta também trabalha dentro desta dupla corrente, de duas línguas que pouco a pouco vão confluído, e não é de estranhar dado a própria intelectualidade galeguista da época ser também vitima da forçada castelhanizacão, desde séculos implementado experiências, de esse estilo, no processo educativo. Processo que desde os Padres Feijoo e Sarmiento (pioneiros na reivindicação do galego como língua natural e genuína de ensino e cultura) ate Rosalia, ainda continuado nos nossos dias, os intelectuais e galegos de seu, tentam reverter. E assim das tentativas rosalianas, encravadas numa altura histórica onde era ainda desconhecido com minúcia o grandioso passado pré e proto-histórico galaíco, e mesmo a herança cultural medieval esplendorosamente desenhada nas cantigas, dizemos desta tentativa da era rosaliana de elevar o galego a categoria de língua literária, e de culto, chegamos as certezas rousianas, fornecidas já por um avançar exemplar no campo histórico e lingüístico, sobre a unidade da língua galego portuguesa e da necessidade de visualização da Galiza ente cultural no mundo; necessidade que só se poderá realizar, como é normal, através do canal natural de veiculação que lhe é próprio, é dizer a Lusofonia.
Complementados, pois neste aspecto, pelo evoluir histórico, os tímidos e certeiros primeiros passos rosalianos de aproximação do galego das suas raízes, se acentuarão em Rousia, com o já claro amanhecer duma escrita plenamente culta e ajeitada à realidade da alma galega, pois emana do seu próprio ser e a irmana com o resto dos seus gêmeos culturais, no curso dum novo século que começa e abre à porta a consolidação duma ortografia galega que por fim consiga o sonho almejado, desde os inícios da luta pela dignidade da cultura galega, ate os nossos dias, da unidade com seus irmãos.
Rousia sabe em que época vive, sabe quais são as novas dores da alma galega, sabe do caminho e sofrimento empreendido pelos primeiros que alçaram a voz contra a marginação e exterminação duma língua e duma cultura milenar, desde a Idade Media, bem alicerçada; sabe dos remédios a aplicar, sabe das alianças a forjar para que a saúde de essa cultura e língua se vigorem, e não duvida em aplicar a sua escrita, o novo Acordo Ortográfico que será a taboa se salvação não só do galego, senão também do repontar e afirmar do português no mundo. Daí a sua escolha e daí também capacidade visionaria.
a.1 ) A diversidade Métrica e de Estilo
A variedade múltiple de esquemas métricos, experimentação constante na métrica e combinação dos mesmos em Rosalia de Castro, surge a traves de Rousia na liberdade que hoje se permite a autora realizar, desde esse inicial caminho trilhado por empreendedoras magistrais como a mesma Rosalia. Enquanto Rousia engrandece o seu horizonte estilístico pesquisando nas águas de distintas tendências, e marcando em eles certa forma de fazer a galega, que vão desde os Haikus japonês ao verso livre numa combinação original, que, no entanto enriquecer o seu universo criativo não resta pessoalidade a sua obra, nem se espalham a modo de não concretizar o sentido da mesma.
b) A procura do simples
“Meses de inverno frio / que eu amo a todo amar; / meses dos fartos rios / i o doce amor do lar. // Meses das tempestades, / imagem da dor / que afrige as mocidades / e as vidas de corta flor” (Rosalia, de Folhas Novas.
“De madeira os ramos da macieira que sobem / pela casa acima / De madeira a trave que suporta o peso do telhado / e o da neve do inverno // De madeira a lata onde descansam as telhas...” (De madeira, de Concha Rousia)
Fugindo do excesso adorno ao estilo barroco, não necessário para aprofundar no nexo, desde a perspectiva romântica de Rosalia, ou desde a mais complexa variedade de fontes rousiana, ambas poetas aprenderam a recriar um universo simples, mais cheio, não rotundo, senão aberto a outras incorporações como conscientes de que a labor poética e uma labor de gerações, que deve ser transformada e transmitida, aprendizado a aprendizado, mas que só se torna atrativa quando chega límpida e em flor, não só ao acadêmico edifício onde trabalham os eruditos, senão também ao povo que lhe presta a voz, ao entorno que lhe rende a paisagem e lhe entrega os sons.
Por elo a complexidade simples do verso rosaliano, e legada a pena de rousia, que misturando a aprendizagem tirada da sua grande mestra, com as novas vanguardas e estilos poéticos, assim como com as achegas de diferentes formas de entender e plasmar a lírica em outras latitudes, convergem na mesma linha do que parece fácil e chega a aprofundar na alma do leitor, e pode mesmo acompanhar tanto as tarefas próprias do mundo operário, como rural ou intelectual, criando um acervo a volta mais enriquecedor e formador, para os humanos que por sorte encontraram em seu caminho o verso refinado e líquido, cômodo de digerir, de ambas poetas.
6ª PARTE: O enriquecimento interior
a) Etos Filosófico
“Bem sei que não há nada / novo em baixo do céu / que antes outros pensaram / as cousas que ora penso eu” (Vaguedás, II, Folhas Novas. Rosalia de Castro)
Como ultrapassando a distancia, atravesso dos tempos, os homens e mulheres sempre se posicionaram interregonado seu interior, e contrastando com o cosmos mais achegado que surgia a sua volta e com eles interage. Mudam os conhecimentos científicos, mudam as tecnologias, mudam as sociedades, mudam as estéticas, mas o pensamento que se abstrai e interroga chega a conclusões muito similares sobre o destino do ser, sobre a maneira de habitar-se a habitar em comunhão e respeito com nós mesmos, e o entorno. Pois senão respeitamos o entorno tampouco nos poderemos respeitar a nós como entes vivos.
Chegam, pois as diversas filosofias, desde o taoísmo aos nossos dias, à conclusão universal de ser diversidades que partimos duma unidade. De ser um microcosmo, que como todo cosmos cristaliza desde um centro, como dizia sabiamente Mircea Eliade.
A esse centro os poetas denominam alma, e acham que desde ela cristaliza, segundo os diversos condicionantes, o ser evoluído, maduro... E, no entanto, temos a impressão, como nos sábios versos de Rosalia, que o nosso pensamento não é mais que um ligeiro acrescentar, peneirado pelas distintas circunstancias, desse pensamento tal vez herdado, tal vez iniciado desde a noite dos tempos, quando o primeiro ser humano se pus a reparar, olhando-se assim, olhando a estrelas a sua volta, olhando a natureza ao seu encontro, no dilema da sua peculiaridade.
E em esse pensamento Rosalia e Rousia acrescentam novos retos, necessários de valorizar e encarar nos tempos que lhes coube por sorte viver, mas cientes dessa constante filosófica, de nunca chegar a encontrar, ou ter na palma da mão a pedra filosofal, mas não por elo abandonam a pesquisa, porque a espiral de perguntas e respostas ainda deve continuar e tal vez nunca se esgote, sabendo no fundo as respostar vir-se a dar na conexão interior com o todo que é o poema.
“... eu são que fica / eu são quem herda o mundo / tudo meu / quem te siga é estrangeiro / meu o mundo / da merla...” (Do Poema Tudo da Merla, de Rousia)
b) O componente feminino
Inevitavelmente Rosalia se pensa como mulher, como mulher se conhece e conhece o seu contorno. Reivindica-se como mulher, com diretos, num momento muito mais difícil do atual, para nessas reivindicações, porem também ser vitima da mentalidade da época e não desenvolve um feminismo pleno, isento de complexos: a sua vida, cartas e reflexões são eco de este pormenor. Mesmo às vezes associa esse “instinto feminino da necessidade de proteção” a condição de mulher; a pesar ainda assim, como numa contradição explicável pelo peso das convenções do seu tempo, Rosalia e mesmo consciente da fortaleça duma mulher, que chega inclusive a sobre passar os limites naturais impostos, onde os homens poucas vezes batalha escolhem: “Cada noite eu chorando pensava: / que esta noite tão grande não fora... // ...Mais a luz insolente do dia, / constante e traidora / penetrava radiante de gloria / ate o leito onde eu me tendera / com as minhas congoxas // Desde então procurei as trevas / mais negras e fundas / e procurei-as em vão, que sempre / trás da noite topava com a aurora” (de Folhas Novas).
Essa bravura não depara nem da defesa dos filhos, nem na valentia e risco à hora da assumir uma vida esquecida no pranto e a insatisfação, como si estas foram livremente eleitas.
Rousia usufrutuária já dos avanços, ainda insuficientes, mas firmemente levados à frente pelas suas predecessoras de gênero, e os movimentos que pela igualdade da mulher foram forjados desde finais da época rosaliana e princípios do século XX, ate os nossos dias, encarara a feminilidade, com a raça lutadora da mulher que sabe ainda que resta muito trajeto a avançar, e encarado as diversas peculiaridades e os diversos novos cenários onde de novo é disseminado o ardor machista, que sutilmente penetra o tenta penetrar, para seguir relegando a mulher ao espaço acomodatício, onde a ele lhe for interessante e maleável, para seguir mantendo e exercitando a supremacia. Daí a incorporação ao trabalho da mulher, não a liberou definitivamente do seu rol de ama de casa, quee muitas vezes compagina o mesmo o com a necessidade de achegar renda familiar, formar-se e viver em plenitude a sua vida.
Consciente Rousia da necessidade de seguir combatendo, para sem falsas publicidades que situam a mulher numa liberação simulada, seu verso troara forte contra aqueles que ainda aspiram a resignar à mesma na sombra do macho em destaque. Associando também essa luta a luta pela emancipação dupla: mulher ente – mulher galega.
“... eu escrevo com o sangue que queima / cicatrizando as feridas que me causa / o parto de um poema /
eu / como poeta / gostaria saber da contenção / de controle da palavra / mas eu tenho dentro um cavalo bravo” ( Do Poema Versos sem amansar )
Rousia, pois é a poeta brava, a poeta que reivindica um mundo possível para mulher, para pátria, para os filhos, para igualdade.
c) A Condição de mãe
Predecessora de novo Rosalia. Rosalia vai abrir um caminho pelo que Rousia penetrara sem ela reparar, e que significa para Galiza, tal vez uma segunda oportunidade de dar a luz uma segunda mãe literária.
A grandeza de Rosalia reside, a meu modo de ver, em que a poeta de Padrão misturara as dores próprias da sua existência com as dores infringidas a seu povo desprezado, e confinado a uma misera existência, por parte de um poder miserável e alheio.
Rousia fará o próprio, numa segunda leitura, mais pausada, mais serena, menos afogada pelo sentimento de morte próxima a chegar, da morte caminhar dentro dela, como no caso rosaliano. Fará uma nova experiência, misturando a sua existência vital galega, que pisou a terra e mamou a raiz da pátria, desde a infância, a experiência terrível da adolescente rejeitada na sua própria língua, e cultura; com a moça liberada, viajada, que aprendeu no outro continente o despertar a sua condição, e seu eterno direito de pedir a palavra, com o compromisso a seguir de saber escutar ao próximo. Fará, pois então Rousia, uma mistura com as novas realidades galegas, com as novas opressões melhor disfarçadas, e com as batalhas e dores universais que atingem a toda a humanidade: os ataques a biodiversidade, a diversidade cultural múltipla, ao direito ao trabalho e a uma vida digna, etc... Fazendo confluir num elo poético toda esta vastidão de sentimentos, com a necessidade de proteção do inferior, do menos adaptado, do menos dotado... E sem ela o saber, convertera a todos este seres da sua pátria, e do planeta nos seus filhos prediletos. Nos filhos que amarguram que matam, mas também que a trazem a vida e lhe dão forças para denunciar com voz alta e clara o sofrimento dos mesmos.
“eu sou um ser selvagem com aparência humana
eu sou a natureza viva que se vê a morrer
eu sou todos os seres humanos do planeta
e sinto simultaneamente tudo o que me nega” ( Do Poema Versos sem amansar )
Assim se tornara Rousia na nova mãe galega dos sem voz, dos sem língua, das retraídas num falso rol de mulher, dos expulsos da sua vida e do mercado laborar... Elevando desde a sua alma a esperança no renascer dos seus filhos e filhas, e da sua cultura universal como ponte também para o inicio duma nova unidade, hoje lusófona, que liberte a Galiza das suas cadeias; e manha universal que unifique aos povos nas diversas sensibilidades e nas diversas formas de fala.
Enquanto seguira transmitindo, nessa outra função de mãe resguardo da memória anterior e futura, aos seus filhos mais próximos a idéia de um ser só ficar completo, quando vive e cresce dentro do seio livre da sua mãe galega.
Língua minha
perdoa
Língua minha
extensa carícia do Universo
alongado eco que banha os continentes
e nós...
a renegar dela
Língua minha
grande
amiga
independente
esquece este terrunho que te ignora
logo de te ter parido
a ti renuncia
Que classe de mãe és tu...
...Galiza
que o mais valioso
o mais eterno
teu filho
teu idioma
aborreces
chamando-o estrangeiro
A minha língua é emigrante
como eu
foi pelo mundo
medrou
apanhou sotaques
como eu
E a ti Terra...
...Galiza
eu pergunto
novamente pergunto
que classe de mãe és
que porque medra tu filho
tu o rejeitas
Língua minha
ergue o teu berro
eu dar-ei-che a minha voz
para que fales
para que sussurres ao ouvido
para que grites...
até que a Galiza te reconheça
(Concha Rousia)
BIBLIOGRAFIA
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· Las Peras del Olmo. Octavio Paz (Ed. Seix Barral, S.A. 1983)
SITIOS EM INTERNET
Recanto das Letras. Autores: Concha Rousia.
O Poeta Universal. Poemas de Concha Rousia
Vieiros: Galicia Hoxe.
Vídeos:
Fontes Auxiliares: Rosalia de Castro em Internet