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domingo, 5 de agosto de 2012

Fazer-se de morto


Fazer-se de morto

Há muitas formas de se fazer de morto, quando miúda só conhecia duas, talvez três... Aquela em que o tio Domingos de São Paio se esticara na cama como um galho de carvalho seco, era velho e tinha o tempo andado, ninguém s
uspeitou cousa nenhuma... Ficou todo teso até que os sinos da igreja deram o sinal... Esperou as horas de rigor e foi logo que descobriu quais os verdadeiros amigos...

Outra forma de se fazer de morto, que sempre me deu mais medo, é a que salvou a vida ao Manca-mulas de Laroá, salvou-o que conseguiu não mexer nem um cabelo só, quando acordou com umas pingadinhas quentes no rosto e viu, sem separar quase as pestanas, como o lobo o andava marcando como propriedade sua e deitando relva com as patas para o dissimular... depois que o lobo terminou seu ritual foi lá para o fundo da Veiga chamar seus irmãos com uns uivos de morte, para que viessem comer o 'madureiro'. O Manca-mulas aproveitou e subiu-se a correr ao carvalho, conseguindo que esta história ainda tenha um final feliz...

Sim, saber fazer-se de morto é bem importante, já dantes era importante, mas nos tempos atuais é ainda muito mais, e portanto tem-se tornado mais difícil conseguir isso; porque agora com estes avanços tecnológicos logo te conectam a uma máquina dessas e descobrem que continuas dentro... Então eu andei a espreitar as pessoas todas e deduzi que hoje em dia a forma mais fácil para se fazer de morto, é estar morto realmente, morto no sentido literal, mas não orgânico, da palavra... Isso, estar morto e depois fazer-se de vivo...

O mundo agora é assim, e anda cheio de pessoal que se fazem de vivos... Pessoas que riem sem estar contentes, sua alegria morreu e eles esqueceram-se de enterrar esse sorriso, esse cadáver falso que pendura fantasma no seu rosto... As pessoas já não choram ante as desgraças dos demais porque seu coração parou de reconhecer a emoção que vem de fora, mas que bem de dentro de outras pessoas...

As pessoas andam sozinhas, se incomunicam sozinhas, crescem sozinhas e se reproduzem sozinhas... É, morrer, também morrem sozinhas... para poder depois se fazer de vivas... Ninguém dá por tua falta, é só tu a saberes que não estás, que foste ficando pelo caminho, talvez foi de repente que te desprendeste, talvez foi aos pouquinhos... talvez, talvez... porque certeza certeza já não podes ter...


Concha Rousia

Quintal d'Amaia 12 do 7 do 12

A vida é tão rara: http://www.youtube.com/watch?v=sXmWAOIWg3w

Um comentário:

  1. Na sociedade do espetáculo este é o papel principal. O do espectador morto.

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