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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Intangível


Hoje quero abraçar-me a mim
abraçar a minha 'eu' inteira 
                        antiga e jovem
de cabelo sem caracóis
                     e ingénuo sorriso

Hoje quero abraçar
os meus passados todos
os que passei e os que evitei
os que levo comigo
                  e os que deserdei

Depois eu quero dar-te 
de mim o que não tenho 
o que nunca tive
o que nunca terei
a minha promessa de futuro

entrego-te na palavra
o que não posso tocar...
nem eu nem tu podemos
nem com mãos nem com lábios
nem sequer com a nossa voz

Concha Rousia

terça-feira, 28 de junho de 2011

Mapa e território

Hoje quis viajar por mim adiante e descobri que não tenho planos de quanto em mim foi instalado... Eu que coloco tudo em imagens, fecho os olhos e percorro os labirintos de todos os espaços que um dia habitei, inclusive aqueles lugares que visitei apenas uma vez ficaram gravados em minha memória, sigo-a, tento encontrar nela mapas das minhas cidades de vivências e nada acho... onde os preconceitos...? onde o amor... onde o amor....? Sou cega em mim, não vejo formas no interior de minha caverna onde a minha vida se vai armazenando sem eu poder ver como, sem saber por que ou para que... Gosto de olhar para dentro, mesmo sem ver, acho sons, harmonias e sobretudo acho as desarmonias... 

As perguntas insistem em quererem ser respondidas, e eu digo-lhes que talvez é que mesmo sendo no interior, porque lá dentro é onde somos... mas somos o de fora... essas flores cheirando sou eu, o caminho coberto de neve é eu, eu e ele somos a mesma cousa, as folhas voando polos meus olhos é eu, é eu fora, é eu dentro... Na cabeça é que me encerro para dormir, para descansar, para julgar, para rezar e para evitar ter que rezar...

Ontem vi como as gaivotas devoravam o céu resplandecente do Obradoiro, como se a catedral fosse um fantasmagórico barco perdido no mar de pedra de Compostela, imóbil no tempo... quis pensar nos tempos em que o povo plantou fogo na torre da catedral onde se esconderam a rainha Urraca e o arcebispo Gelmires, por razões distintas... o fume obrigou-os a sair... imaginei as chamas, o fume, senti o calor, o povo a clamar justiça... e a apagar o incêndio para salvar a Obra do Mestre Mateu agora que os indignos Gelmires, e dona Urraca estavam fora. Pergunto-me quantos dos indignados acampados hoje na praça conhecem esse episódio da nossa história... Essa cena toda eu desenhei-a na imaginação da memória enquanto via as gaivotas irem e virem como se elas sim soubessem o que nestas pedras se leva passado... Hoje re-vejo as gaivotas como se estivessem neste instante a voar em meus olhos... e compreendo o que sou...

Sou tudo que vejo, sou tudo que vi, tudo que cheirei, senti, imaginei, e sonhei... Sou a estrada que se mete por mim, sou a serpe que foge, sou a pedra inerte e sou o gaivota que voa... agora percebo por que não posso ver os mapas do meu próprio interior, os planos do que sou, agora percebo... agora vejo... o mapa, sim, o mapa, o mapa sou eu...

domingo, 26 de junho de 2011

Galiza IV

Galiza...

Cultura milenar
que morres de ignorância
de esquecimento inobre
de eclipsadas consciências

Maldigo a classe intelectual
que te atraiçoa sempre...!

acomodatícios preguiceiros
incapazes de levar á escrita
o que o povo transportou
em suas mãos e bocas
ao longo de tanto séculos

Galiza...

Concha Rousia

http://www.youtube.com/watch?v=BuWVw0HcWpk

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Hoje eu tenho um pedido...

 
Sei que não tenho abusado com minhas encomendas, é por isso ouso pedir, não sei bem a quem, vou começar por pedir a alguma deidade que ainda não esteja surda ou fosse criada a prova das nuvens grises que invisibilizam a Galiza... Ou então vou pedir também a algum amigo que passe aqui a regar com seu olhar estas minhas palavras mal cultivada, sou Diógenes de conceitos, palavras usadas, ideias, mesmo muito gastas, mas o que fazer com elas? arrumar, desarrumar... não sei, sei é guardá-las como uma noz, ou uma memoria física que não se abre...

Então peço a essa Deidade ou a esse Amigo ou ainda a algum Inimigo que passe aqui para me odiar ou para falsamente se amar a si no despreço de mim e o que eu lhe desperto em si... Ou se ninguém dos anteriores me ouvir então peço-te a ti pessoa desconhecida que passas hoje aqui seguindo teu errático destino, como eu sigo o meu nestas linhas que abrem minha selva de pensamentos matutinos, e faço, ora sim, meu pedido...

'Eu quero que não me concedas tudo que eu te mereço,
peço também que não me concedas tudo que necessito,
mas sobretudo eu peço que não me concedas mais do que eu desejar...
mesmo que eu o necessite e o mereça'

Concha Rousia 

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sou a mente que sonha ou sou o sonho da mente?

Acordei no meio da noite com um pensamento filosófico em minha mente, era tão libertador que permitiu a meu corpo continuar no leito e minha cabeça descansou mesmo sem ter tomado nota das palavras que representavam aquela mensagem quase divinal da noite... Repeti as frases uma e outra vez em silêncio dentro de minha cabeça, e de minha alma, na escuridão do quarto... e adormeci de novo na paz desse mantra...
Por vezes eu gosto de acordar para ser consciente de que estou a dormir, e de que ainda resta noite para esse prazer nos braços de Morfeu... desenha-se um prazido sorriso em meu rosto que eu não vejo, nem o espelho do quarto vê, mas é nele que eu o imagino, e sorrindo volto a meus sonhos na procura dos tesouros de um Além-consciência e então apareceste tu, nunca antes te tinha sonhado assim tão real...
Estávamos sentando-nos num teatro, daqueles que tem os braços de madeira duros entre os assentos e notamos isso quando as nossas mãos sozinhas se juntaram rapidamente... Tu estavas a esquerda e eu a direita. Sentia como na sala havia muita gente, eu observava-nos desde um cantinho da sala, ou da mente, não sem certo encabulamento, e então vi como os nosso rostos se iam girando um para o outro com o mesmo ritmo, ignorando o resto do mundo, como numa cena de um beijo milhões de vezes ensaiada... O que continuou não conseguiria descrever, não porque não lembre, lembro, na mente e no corpo, mas faltam-me as palavras que pudessem descrever, então eu imagino que estas palavras são aquelas que esqueci na noite... antes do sonho, elas adiantaram-se ao que íamos, ia eu, viver... E agora apanho as palavras não faladas e vou-me para dentro de minha imagem... sei que talvez amanhã eu brote poema...

Concha Rousia

domingo, 19 de junho de 2011

Quando foi que te perdi?

Foi ontem que tu te foste
mesmo sem tu veres
que te despedias..?
Ou foi hoje que eu
não me acho nessa
imagem de nós juntos?

Não sei, eu não sei...

Hoje perguntei-me
como é que morrem
os passarinhos...
voam e voam e um dia
eles não voam mais
...mas sabem eles
que pararam de voar?

No sei, eu não sei

Mas hoje perdi as asas
com que voava a ti
senti uma imensa tristeza
e depois o peso da liberdade

Imaginei que assim é
como morrem os pássaros

Concha Rousia

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Planeta Corpo

O meu corpo é um planeta
que gravita no vazio do tempo

Por vezes o meu corpo
é uma arma contra mim

Às vezes é leve pena
e outras pedra no fundo do oceano

Meu corpo é ponto de encontro...
           e por vezes de desencontro
                              de saudade...

Hoje é...

          Livro aberto
          Página em branco
          Língua morta
          Torre de Babel
          Contradição
          Mapa do tesouro
          Presídio certo
          Arpa nos teus dedos
          Hoje meu corpo é música
          É palavra no vento
          Vela despregada
          Lugar para aportar
          Nau à deriva
          Canção muda
          Grito de teu verso
          Lua sem céu
          Estrelas a cair de um pano negro
          Meu corpo é guerra
          Espada manchada de sangue
          Bandeira branca
          Rosa sem espinhas
          É espinheiro que dá maçãs por obra e graça da melhora da Terra
          É mapa-Mundi
          E sendeiro sem destino
          Meu corpo é vontade de correr
          E porém eu adoro adormecer...

Meu corpo, meu corpo de Terra, meu corpo... que meu não é...

Concha Rousia

Desejo...


Quero esta noite morrer
nos teus olhos

e amanhecer no céu do teu beijo...

Concha Rousia

16 de Junho de 2011

Hoje a saudade atou minhas mãos e não me deixa atender a tudo que aqui parece urgente, a querer exigir de mim uma resposta, de nada serve que eu não tenha essa resposta... Mas a saudade por vezes resgata-me de esse absurdo mundo de normas inventadas a se cingir sobre uma natureza selvagem como a minha, passo a vida nessa luta na que tenho minhas aliadas... a tristeza, a raiva, a solidão, a música, também tenho a música, mas hoje foi a Saudade a primeira a me aguardar na saída do meu quarto... do corredor vi a luz azulada do amanhecer entrando no quarto vazio de Nerea... Abri a janela e desejei voar sobre o quintal, minha alma peneirada sobre a relva... sendo música como a que a Melra me oferece desde o Pessegueiro... Decidi assistir o concerto, afinal minhas mãos de guerreira inútil não vão hoje poder contra tantos impossíveis que já foram desenhados, de repente lembrei o sonho da noite... a Terra feita uma enorme lamaceira a me engolir, do outro lado da Veiga vinham as vozes a meus resgate como quando de miúda sonhava com o lobo... mas eu, por mais que batalhei não consegui avançar a me reunir com elas... foi aí que senti na minha pele, tocando-me, a voz de Nerea e a lama se tornou água transparente, lembrei aquele poema que ela escrevera sendo pequeninha...

'As rãs brincam
no rio dos sonhos
d'águas cristalinas' (Nerea Rodrigues)

Sim, ela por vezes me imita para saber onde eu habito, e agora eu habito esses momentos idos, que como sementes, ficaram a me aguardar para germinar nesse futuro... A vida foge-me por entre os dedos, corre como um mar de centeio pelos meus olhos... É junho, mas eu só sinto o longe que fica a minha infância, e que meninha me sinto, tento crescer num mundo que me vem demasiado grande, como um fato herdado que eu não consigo encher... Visto-me com todas estas palavras esfarrapadas que cobrem meus sentimentos, e olho o céu, uma bandada de pássaros passa anunciando um acontecimento... e meu rosto lembra logo que sou indígena, e centra-se na tarefa adivinhadeira, esquece a ordem do dia, toda reunião séria precisa de uma ordem do dia, a Melra decide voar pelo quintal interrompendo seu concerto, e eu voo com ela... eu sempre voo com ela... volto nova, nua, despida da saudade e vestida apenas com a luz do dia... ... (em andamento)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Contos do espelho

Olhou-se no espelho como se se não conhecesse, decidiu conversar com esse desconhecido que o desorienta sempre nas madrugadas... Tem tantas perguntas!! tantas que nem que as paredes do quarto fosses todas espelhos poderiam caber nelas as respostas, então para que perguntar?! Para que procurar o que nunca vai achar?! Decidiu então escutar aquela música que lhe põe a pele de galinha e a alma respira polos poros feitos vulcões, hoje descobriu que cada pequeno desequilíbrio emocional abre infinitos caminhos e possibilidades, o mau é que ele sempre olha para o lado mau de toda realidade, nunca consegue ver a cara boa das cousas... Foi daí que decidiu deixá-la, ela, essa sua amante querida, também era demasiado grande para os espelhos do seu quarto... Decidiu ir-se sem avisar, quere levá-la consigo, mas em silêncio... 
Numa folha que não tinha imaginou uma despedida...

'Amo-te tanto tanto, mas tanto tanto 
que não me quero apaixonar por ti
pois não quero que isto se me passe' 

Depois imaginou que ela lia a mensagem e sorriu, e imaginou também que ela realmente existia e tinha um espelho que olhava para o dele...

Concha Rousia







domingo, 12 de junho de 2011

No colo...

Hoje acordei com vontade de ler, mesmo sendo eu mais de leituras coletivas, mas estava sozinha, com muitos livros, mas sozinha... e não li, pronto descobri que havia palavras que me queriam ler a mim, eram elas que precisavam de meus olhos, de minhas mãos que assim não podem folhear o livro, de minha atenção... Escrevi, nem sei sobre o quê, talvez nós e o mundo e a inevitabilidade, nem sei com certeza o que escrevi...

Lembrei o sonho desta noite que me faz lembrar quem eu fui, quem eu sou, e quem sempre serei... No sonho Nerea, que agora está com onze, era de novo uma meninha de dois anos e estava no meu colo, compreendi que me está a custar aceitar que amanhã parte em sua primeira excursão sem mim, vai à França... no sonho eu tinha ela no colo e o sonho tinha-me a mim no colo...

Depois decidi fazer o caldo, verde naturalmente, mas que para nós esse é 'o caldo', e o outro, sem couves, sim, esse chamamos de caldo branco... Sempre que me ponho a fazer o caldo eu retorno a todos os tempos que vivi e voo a todos os tempos que ainda não vivi...

Concha Rousia
Amaia 11 de junho de 2011

sábado, 11 de junho de 2011

Princípio de incerteza de Heisenberg *

A buganvília
fala comigo
através do cristal

Está dentro...?
Está fora...?


Está nos meus olhos...


Concha Rousia



* O Título é de Suso, ele acerta sempre com o que quero dizer...

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Poderes...

Hoje descobri alguns poderes
que eu nem suspeitava tinha...
fechei os olhos e fiz desparecer
                                            o Mundo

mas seguia ouvindo a voz dos pássaros
eles
      eu sei
              conectam
                          o Aquém e o Além

Intui logo as árvores...
Elas também conectam Terra e Céu

Soube logo a verdadeira dimensão
desse meu ato
                 e repensei o que fazia...

Abri os olhos e criei de novo o Mundo

ora sim, comigo no Centro do Círculo
                           dos meus Mundos

Concha Rousia


quarta-feira, 8 de junho de 2011

Perdi meu Unicórnio...

Eu nasci quando ainda a humanidade andava ao ritmo da Natureza... Sei, sim, muito antigamente, há quanto! mas não no khrónos... pois tenho apenas quarenta e oito anos ou, para falar com propriedade, deveria dizer que ando nos quarenta e nove. Ando, sim, e é hora de reflexionar... 

A Natureza não caminha sempre ao mesmo ritmo, ou velocidade, o mesmo que um carro (de bois) não avança igual costa abaixo que costa acima, que pela planura... Assim corria a vida, umas vezes devagar e outras depressa... Tudo acompassado. Neste tempo de primavera o povo andava como as andorinhas, frenético, sempre a plantar, a regar, a madrugar, a trabalhar, a passar calor, a suar, a curar de tudo... depois que a primavera e o verão fossem embora, vinha o tempo da calma, tempo para meditar e cuidar da vida interior, o tempo de folgar, passar frio e inventar o lume... e viver na companhia e os contos da lareira... 

Mas hoje..., hoje tudo corre vertiginosamente, tanto que é como se ficasse quieto, parado, não percebemos o que realmente se passa, a velocidade mistura todas as cousas, como denunciaria uma canção do Sílvio Rodríguez, se é que ele ainda canta a estas cousas monstruosas do capitalismo... Hoje em dia há lugares no planeta, onde as pessoas passam frio no verão (ar condicionado endemoninhado) e passam calor no inverno (sistemas de aquecimento exagerados) As pessoas trabalham sempre ao mesmo ritmo, a maioria sempre pensando em apanhar uma baixa medica, para poder parar aquilo... comem sempre o mesmo, porque sabe tudo igual, os tomates a plástico, a carne a hormonas de crescimento, os frangos a... não sei... eu não sei a que sabem os frangos... antes sabiam a rã do rio Lethes, mas agora... que o peixe sabe sempre a 'panga congelada'... Lembro quando eu podia diferenciar o sabor da boga do da troita, meu pai pescava das de pintinhas vermelhas no rio da Veiga de São-Paio, e no inverno caçava...  Mas agora tudo está caçado... O outro dia uma criança numa escola, mandaram-lhe fazer um desenho de um galo e desenhou um frango desses embrulhados com plástico transparente do super-mercado... 

A onde pensamos chegar com esta velocidade? Vou nesse trem, mas me apego a tudo que pode pegar em mim, busco desesperadamente parar de correr a esse infinito inalcançável que é a meta do progresso... Hoje eu vi como a Melra e as andorinhas falavam a linguagem das roseiras e do pessegueiro, enquanto eu quase perdi minha fala, sozinha no quintal, e senti imensa inveja, imensa falta, arrependimento até... por ter evoluído a este estádio de des-consciência...


Nacionalismo e Emancipação Nacional: O caso das nações oprimidas do Estado Espanhol

Do 'Diário Liberdade' - [Lucas Morais e Raphael Tsavkko] O texto a seguir nasce de um debate* entre Lucas Morais (@Luckaz), Antônio Luiz Costa (@ALuizCosta) e Raphael Tsavkko (@Tsavkko) sobre os movimentos nacionalistas Basco, Galego e Catalão e sua relação com o Estado espanhol.
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Durante o debate, várias questões surgiram, como a relevância da luta pela emancipação nacional, a força dos movimentos nacionalistas, sua vitalidade e mesmo sua validade nos dias atuais. Questões que pretendemos – não exaustivamente – responder a seguir, buscando contextualizar a luta pela emancipação nacional enquanto ato de resistência dos trabalhadores além de mero reflexo dos interesses da burguesia.

Sobre a história dos nacionalismo catalão, basco e galego
I
Bascos, catalães e galegos possuem longa história de independência. Ainda no século XVII, a Catalunha experimentou sua primeira e breve experiência republicana, repetida novamente em fins do século XIX e novamente nos anos 30 do século XX. Ainda hoje é lembrado o Dia da Catalunha (Diada Nacional de Catalunya) com protestos pela nação, rememorando o 11 de setembro de 1714, ou a conquista final do país pelo Reino de Castela, e a cada ano renova-se a esperança pelo dia em que a Catalunha será novamente independente. Os Bascos, por sua vez, vieram a ser finalmente conquistados apenas no fim do século XIX, antes disto passaram séculos sob o regime de Foros, ou seja, possuíam total liberdade interna, entregando apenas a sua defesa externa ao Reino de Castela. Euskal Herria (País Basco) é uma nação independente desde os primeiros registros escritos sobre seu povo e sua língua milenar. Não foram conquistados pelos romanos ou por qualquer outra nação ou império que passou pela região. Resistiram a todas as investidas e, ainda hoje, mantém a luta por sua independência. Já os galegos formaram um poderoso reino durante a idade média, o Reino Suevo de Gallaecia, o primeiro reino independente de toda Europa, estabelecido como tal no ano 410, e do qual fazia parte o condado portucalense, que no século XII originou o Reino de Portugal e fez do galego sua língua nacional, sob o nome de português. Daí parte unidade linguística da faixa ocidental da Península Ibérica (Galiza e Portugal) e a longa luta do povo galego, que durante séculos alternou períodos de soberania com outros de submetimento a Castela, até o descabeçamento total da sua classe dirigente, o que explica a falta de um projeto nacionalista burguês na Galiza atual.


O Reino da Galiza subsistiu até 1833 e, mesmo dominados pelo então Reino de Castela, o povo galego manteve sempre vivas sua língua e cultura. O movimento nacionalista galego parte assim do século XIX, tendo um caráter eminentemente progressista e republicano.


Os demais "nacionalismos periféricos" e a "espanholização" forçada
II
Há outras regiões da Península Ibérica que já foram nações ou são reivindicadas como sendo parte das nações referidas, como Valência e Ilhas Baleares. Ambos faziam parte do que historicamente se chama Países Catalães, que são territórios de língua catalã. Entretanto, os níveis de espanholização imposto a estes povos são diversos. É óbvio que a Catalunha é o território com maior consciência nacional e, em função disto, maior independentismo. Entretanto, nas Ilhas Baleares há menos consciência nacional que na Catalunha, e menos ainda em Valência. Neste último, os espanhóis conseguiram sobretudo introduzir um sentimento localista anticatalão, ao ponto da burguesia de Valência defender que lá se fala uma língua diferente chamada "valenciano". Aqui, sim, ocorre a estratégia do "divide et impera", isto é, dividir os povos para imperar sobre eles. Do mesmo modo o Estado espanhol afirma que o galego não tem nada a ver com o português, quando hoje sabemos que a nossa língua, o português, nasceu realmente na antiga Gallaecia. Aragão e Astúrias historicamente foram nações, com línguas próprias que lutam para sobreviver, assim como Leão, cujo idioma sobrevive às duras pelas em um território dividido com Castela, logo, sem qualquer status especial ou possibilidade de ensino em escolas ou crescimento. Hoje, as línguas astur-leonesa e aragonesa estão em processo de desaparição, com poucos milhares de falantes e movimentos nacionalistas muito fracos. Isto se deve pela absorção realizada pelo Reino de Castela (base do projeto nacional espanhol), que, desde muito cedo, impôs a espanholização a estes povos.


Os tipos de nacionalismo e o desejo de liberdade
III
Não há somente um tipo de nacionalismo. Há nacionalismos expansionistas e nacionalismos defensivos. É claro que desde o Brasil ou Portugal é difícil compreender os conflitos de nacionalidades, dado que nestes países referidos não se vive tais conflitos e não há problemas no uso da própria língua, o que pode levar a crer que é sem sentido a defesa de direitos linguísticos na Catalunha, Galiza e País Basco por exemplo. Somente vivendo esta condição humilhante há a possibilidade de compreender as determinações sociais que fundam a resistência, isto é, ao sentir-se impotente perante as imposições do Estado espanhol, ao não poder escolarizar os filhos na língua própria, como ocorre na Galiza por exemplo, ou como quando o franquismo baniu e criminalizou as línguas basca, catalã e galega. O fim do franquismo deixou um legado nefasto em que o basco passou a ser falado por meros 40% da população, ainda que um forte movimento popular o fez ressurgir, alcançando hoje perto de 70% da população. Mas é pouco. Bascos, catalães e galegos querem ter o direito a ensinar seus filhos sem pedir permissão para o Estado espanhol para tal. Bascos, catalães e galegos querem ter o direito a votarem e serem eleitos, sem precisar pedir permissão a tribunais espanhóis. É comum confundir "nacionalismo" como uma manifestação de uma direita xenófoba e racista sem, porém, compreender as notáveis diferenças entre o nacionalismo movido pelo ódio ao outro e o nacionalismo que busca apenas garantir a (sobre)vivência cultural, econômica e a autodeterminação de um povo.


Imperialismo versus nacionalismo
IV
Naturalmente, há um fundo de verdade nas informações que Antonio Luiz coloca em debate, que o imperialismo sempre tenta se aproveitar de contradições nacionais em benefício próprio, o que é verdade. Entretanto, isto não anula a existência dos direitos de emancipação nacional. Durante décadas a esquerda de todo o mundo doou seu apoio e demonstrou solidariedade (quando não pegou em armas) para garantir os direitos das nações e povos oprimidos em seu direito à autodeterminação e a superação de seu status de colônia. A luta de bascos, catalães e galegos nada mais é que a continuidade das lutas por emancipação nacional e pela descolonização. Também é verdade que, por vezes, é a burguesia quem dirige ou tem dirigido esses processos independentistas, mas, novamente, isto não anula a existência de um povo sujeito de direitos.


O nacionalismo galego enquanto resposta dos trabalhadores
V
No caso galego, a burguesia renuncia à nacionalidade galega e conforma-se com os lucros que lhe correspondem por fazer parte do mercado espanhol, e, neste caso, é a esquerda somente que defende a liberdade nacional do povo da Galiza. Ora, não é por "separatismo" que se luta pela independência galega, e sim pela aspiração à liberdade e independência frente o Estado espanhol, para que, então, a Galiza possa se pôr em verdadeiro pé de igualdade na Península Ibérica, em relações baseadas na igualdade, e não na imposição, e, claro, no respeito às identidades nacionais. Esta soberania não tem como aspiração a exploração do homem pelo homem, nem expandir-se como os impérios históricos, mas sim um movimento defensivo antitético ao nacionalismo expansionista e imperialista do Estado espanhol. É interessante notar que o nacionalismo galego é mais fraco ou menos presente nas instituições que o basco e catalão, precisamente porque a burguesia renuncia maioritariamente à nacionalidade galega, o que não acontece nos casos basco e catalão, que também têm fortes partidos burgueses nacionalistas. Além disso, a repressão franquista foi especialmente brutal com a Galiza, que caiu logo sob o domínio dos fascistas e viu como toda uma geração de seus melhores filhos morriam assassinados ou tinham que fugir para salvar a vida. Só nos anos da guerra (1936-1939) estima-se que o número de vítimas mortais do fascismo espanhol na Galiza pode ser de 40 mil em apenas 3 anos (a ditadura militar argentina, estima-se que tenha matado mais de 30 mil), numa população inferior aos 2 milhões e meio na altura. Portanto, o nacionalismo galego tem seu caráter popular e de esquerda, com forte implantação sindical no movimento operário, e sua vontade de integração no espaço internacional lusófono, enquanto berço histórico da língua portuguesa.


A força relativa dos nacionalismos no Estado Espanhol
VI
Os critérios restritos aplicados à esquerda catalã e basca, baseado no sucesso eleitoral, não refletem a realidade destas nações. Ora, sabe-se qual a porcentagem da esquerda anticapitalista em Espanha? Afinal, ali quase inexiste expressões revolucionárias da esquerda. O Partido Comunista Espanhol, como tal, não tem sequer um deputado no parlamento espanhol nestes momentos. Proporcionalmente, o pensamento político de esquerda revolucionária tem maior porcentagem na Catalunha, enquanto Galiza e Euskal Herria (País Basco) se mantém acima da média em relação ao restante do Estado espanhol. Some-se a isto que os movimentos sociais são mais fortes nestas três nações que em qualquer outro território espanhol. As nações oprimidas, portanto, possuem mais esquerda socialista proporcionalmente que a média das demais regiões do Estado espanhol, o que é um dado muito importante. É claro que contabilizar isto somente com os resultados eleitorais é uma simplificação semelhante a considerar que a democracia consiste em emitir o voto a cada 4 anos, ou seja, trata-se aqui de um conceito e critério burgueses. Tanto na Catalunha quanto no País Basco, as opções nacionalistas são maioria em termos de voto e representantes, na Galiza são a terceira força. Dentre as esquerdas, o reformista Bloco Nacionalista Galego é a terceira força na Galiza, Bildu é a segunda força basca, praticamente empatado com o Partido Nacionalista Vasco, nacionalista de centro-direita (este partido possui duas correntes principais, uma independentista, outra autonomista, sendo que esta última está na direção do partido de seis anos para cá), e na Catalunha a esquerda nacionalista, mesmo fragmentada, se apresenta com força.


Um mundo melhor ou apenas melhores condições de luta?
VII
Não se trata de o mundo estar melhor ou pior com a independência da Catalunha, Galiza e País Basco, mas sim destes povos terem o direito à sua autodeterminação e serem reconhecidos e respeitados como nações. A luta anticapitalista, isto é, a luta internacionalista pela emancipação humana que almeja uma ordem social de igualdade substantiva, sem a dominação dos trabalhadores pelos capitalistas e seus Estados, por uma sociedade de produtores livremente associados, não anula a luta independentista dos povos oprimidos e vice-versa. Na verdade, muito pelo contrário, tais lutas se entrecruzam em um nacionalismo defensivo, anti-imperialista, socialista e baseada na fraternidade entre os povos, ou seja, internacionalista. O exemplo da Revolução Cubana é didático neste sentido, um povo que foi colonizado primeiramente por espanhóis e posteriormente pelos imperialistas estadunidenses, hoje pode levantar alto a bandeira de Cuba e afirmar sua nacionalidade ao mesmo tempo em que pratica o internacionalismo solidário na América Latina e na África.


Nacionalismos legítimos e ilegítimos
VIII
Equívoco costumeiro entre aqueles que não buscam entender as questões identitárias e históricas por detrás do nacionalismo catalão é a de comparar o independentismo catalão com o separatismo da Padânia. A Catalunha possui todos os atributos de uma nação histórica, já foi independente, tem idioma e literatura próprios. A nação catalã inclusive já travou guerras pela independência. Já a Padânia, trata-se de invento recente, de vinte anos para cá, da burguesia rica do norte da Itália que simplesmente quer separar-se da Itália sulista pobre, sem qualquer base popular. Portanto, não há nação Padânia (ou Padana), assim como não há nação no sul brasileiro, apesar da tradição sulista. Podemos falar em nação Vêneta (esta costumeiramente solidária ao nacionalismo basco e catalão), em nação Lígure, em nação Franco Provençal (Vale d'Aosta) e etc, mas não em Nação Padânia (ou Padana), que não possui nenhuma característica identitária além de uma ligação ideológica entre burguesias próximas à extrema-direita xenófoba. A Catalunha constitui-se como república soberana ainda nos anos trinta do século XX, reconhecida nos primeiros atos do breve governo republicano espanhol, com um movimento nacionalista-independentista sempre vinculado tanto à esquerda e aos movimentos populares, quanto à direita, mas nunca ao fascismo, ao contrário das reivindicações de privilégios da burguesia na Padânia ou em Santa Cruz, na Bolívia. O nacionalismo catalão moderno se centra nas figuras de Lluis Companys e Francesc Macià, expoentes da Esquerra Republicana de Catalunya. E, vale lembrar, os catalães colocaram-se historicamente ao lado dos republicanos durante a Guerra Civil, e contra Francisco Franco durante todo seu governo, seja à direita ou à esquerda.


PxC e o falso nacionalismo catalão
IX
Primeiramente cabe esclarecer que a Plataforma de Catalunha é um partido político da extrema direita, neofranquista e pró-Estado espanhol, cujo líder, Josep Anglada, foi dirigente de uma organização fascista muito conhecida, a Fuerza Nueva, que nos primeiros anos da democracia espanhola teve deputados ligados ao nacionalismo católico ultraespanholista e que teve representação parlamentar na transição. Logo, não faz sentido colocar esse exemplo como sendo representante do independentismo catalão, pois, de fato, a Plataforma de Catalunha é anti-independentista.


Seletividade? Ou a opressão gera resistência
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Ora, o mais curioso é quando Antonio Luiz diz que apoia apenas a emancipação nacional dos palestinos e saarauis (Saara Ocidental), enquanto no mundo há centenas de povos oprimidos. E os curdos? E os cabílios? E os mapuches, sistematicamente esmagados por Pinochet e ainda hoje vítimas de intensa perseguição e brutal repressão? Ou os povos do Cáucaso? Não é necessário ser revolucionário para apoiar a emancipação de tais povos, mas, no mínimo, estar de acordo com os princípios democráticos. Desde Marx até Lênin, e a grande maioria de teóricos socialistas do século XX, reconhecem o direito de autodeterminação, assim como as principais correntes da esquerda o fizeram. Inclusive, Fidel, no início dos anos 90, fez um apelo ao Estado espanhol para reconhecer os direitos de bascos, catalães e galegos. Na Europa, os únicos setores de "esquerda" a negarem este reconhecimento são o chauvinismo estalinista e os reformistas socialdemocratas, dado que estes frequentemente estavam atrelados aos projetos estatais imperantes, assim como o Partido Comunista Francês atuou contra os independentistas argelinos, defendendo sua burguesia nacional, e até hoje se recusa a poiar a luta dos corsos ou reconhecer os direitos linguísticos de Provençais, Bascos e Bretões; e o Partido Comunista Espanhol, que, apesar de incluir em seu programa o direito de autodeterminação dos bascos, catalães e galegos, na prática não apoia, mas este nem sequer ousa negar isto em teoria.

terça-feira, 7 de junho de 2011

As emoções...

Devem 
preferivelmente ser consumidas muito 
d
e
v
a
g
a
r
.
.
.

Mas sobretudo 
devem ser cozinhadas 
a fogo 
l
e
n
t
o
.
.
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