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segunda-feira, 19 de março de 2012

Palavras




Escreves, rasgas o ar
com as palavras novas
fazendo acordar o universo
com a força de um deus
crias e descrias...
decides e desdecides

mas eu sou ateia
das deidades todas...

Escrevo, coso o ar ferido
com minhas palavras gastas
deixo o universo adormecer
deixo-o sonhar seus sonhos
deixo deus descansar
de seu velho ofício...

Escrevo, eu crio e descrio
com vontade própria...
eu crio e eu extermino
a palavra deus
a palavra céu
e a palavra palavra...

Concha Rousia

(Em andamento durante esta segunda-feira...)

 

sábado, 17 de março de 2012

Rir


Hoje eu quero rir, rir de tudo, rir da seriedade, rir da tristeza, sobretudo eu quero rir hoje da tristeza, e de mim, de mim mais do que de nada neste mundo, quem mereceria mais? Rir de meus poemas, de meus vícios, de minhas debilidades, rir dos meus sonhos, de meus amigos, de meus inimigos, de meus pais e de meu país, de meus sentimentos, rir de ti meu bem, eu quero rir, rir do padre da igreja da infância, rir da fome e dos portais dos prados, rir das ilusões e das fantasias, rir da noite e rir do dia rir rir rir...
Até que meu riso seja pranto de desespero, chorar então, e depois parir tudo de novo, sem restos de cicatrizes mortas, fazer nascer meu mundo comigo à primavera...

Concha Rousia



quarta-feira, 14 de março de 2012

Uma fotografia

Esta é a meninha dos meus olhos... Não a fotografia que procuro...
Eu hoje necessito uma fotografia, uma fotografia que não tenho, uma fotografia dos momentos idos, uma fotografia dos momentos que marcaram a minha carne, como a lume ou tesoura, marcaram a minha alma e a pele dos meus olhos... Meus olhos que hoje andam ocupados por milhões de imagens incertas, precisas, concretas, mas alheias e alienantes. Eu hoje necessito uma fotografia, uma que levo dentro mas não tenho... Não para vê-la, não com os olhos da cara... Sei que os olhos internos me enganam, e por isso essa danada saudade...

Eu necessito uma fotografia que não foi tirada, meus momentos de forja, nos que eu me fiz são anteriores às máquinas... Mas minhas necessidades de agora são criadas quase todas por máquinas, elas criam e elas satisfazem... Maquinas que me transportam, maquinas que me fazem o café, máquinas que me conectam contigo, me aquecem a água para o banho da manhã e para o da noite e para quando não me banho... A água segue quente, maquinas só tem um defeito é que necessitam que alguém as pare, ou que as acenda, ou mesmo que as crie... Lembro, não sem desassossego aquela vez que desenhei uma máquina que fabricava os próprios operários que a manejavam... Esse desenho ainda deve andar naquela mala antiga entre meus projetos de vivendas, onde devia eu guardar essa fotografia que hoje me faz tanta falta...

A imagem dos operários fabricantes de si próprios ainda hoje me causa um grande desassossego, fora aquele desenho mais um de meus intentos de me expressar graficamente, como aquela vez da margarida com ossamenta humana que a professora de pintura me fez destruir, fora aquele mais um intento de me narrar em formas outras que não fossem apenas palavras, naquele Vigo de finais dos 70 onde era tão estrangeira... A minha língua era quase virgem quando chegou àquela realidade deturpada, minha língua tem lepra aqui na cidade, mas eu sempre pensei que a lepra era minha... Dói a lembrança e aí a foto que procuro se esvai dos dedos da minha memória, as camélias da alameda já estavam quase pintadas em branco e preto nessa foto que quero nunca foi tirada...

Tenho uma foto dos meus pais... Os dous junto à parede de fora, na rua, sentados em cadeiras individuais, com os braços recolocados em gestos mortos pelo dono da máquina que os retrata, é uma imagem que não tem vida, é uma posse que o fotógrafo inventou para a sua foto, talvez foi uma exigência da sua máquina, ahhhh e as roupas, também as roupas não eram as de diário, não, não me parecem eles, não são eles, são uns atores que a máquina mandara vestir e fazer um papel para a sua obra...

Eu quero uma foto deles vivos, falando a carão do lume... A mãe descasca patacas e pica finíssimas as verdes couves para seu eterno fazer-caldo... Sempre a ferver na minha memória... O pai a ferrar chancas, tantos filhos, tantos pés, tanta lata de sardinhas para tapar a ponta da biqueira, assim não se fura ao jogar à bola... Ora bem, furavam-se as canelas quando o pé errava, e como errava, o campo era terra enraizada, a bola saltava mais do que rodava... Que bem jogava eu ao futebol... Pena de fotografia...

Ontem enquanto andava as compras com a minha filha vi sapatos desses com saltos imensos, não posso evitar, sempre me pergunto como alguém pode imaginar lá uns pés dentro, e me vejo erguendo-me na ponta dos pés para imaginar o que se sente... 'mãe...!' com tom de desaprovação... É, eu não aprendo a viver na cidade... antes foi Vigo agora é Santiago...

Quero uma fotografia de minhas chancas com lata a proteger a biqueira, vou para velha e meu corpo segue moço, não me dói nada... Mas durante a noite me desconsertou um sonho... Meu rosto era diferente, eu saia duma sala com muitas luzes, olhava-me no espelho e meu rosto estava mudado, meu cabelo era diferente, meu nariz era quase inexistente, como o de Michel Jackson... Ahhhh eu me tinha submetido a cirurgia estética... Deus que pesadelo ruim, acordei e lembrei minha obstinada necessidade de uma fotografia, talvez seja por isso, talvez seja uma mensagem de meu inconsciente, que sempre anda a querer-me confundir não sei bem com que finalidade... Ora nunca antes me tinha roubado o meu semblante, meu rosto celta, quadrado... Eu nunca serei ovalada, mas o sonho fez-me duvidar de minha substância... Agora eu necessito mais do que antes essa fotografia que me resgate deste mundo que me ocupa para me encher de vazio...

(em andamento...) 


Concha Rousia  

 

terça-feira, 13 de março de 2012

Cor(a)mar


 
No meu coração vive o mar
Quero escrever meus versos
mas o papel fica molhado
choro e rompe-se o poema...

Concha Rousia