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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Perpetuas mudanças




Tenho uma lista de cousas para fazer.
       e
Tenho uma outra lista de cousas para deixar de fazer.

Por motivos que desconheço...
                  atendo sempre a segunda destas listas
                  perpetuando, deste jeito, ambas
                  e perpetuando também esta 'eu' que queria mudar...

Concha Rousia

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Pensamentos indissolúveis I



POR IMPERATIVO LEGAL:
                  Vivo em Espanha

MAS...

POR IMPERATIVO ÉTICO:
A Espanha nunca viverá em mim.

domingo, 25 de outubro de 2009

O ladrão do pão


(Dedico este poema à Marcha Mundial pela Paz e pela Não-Violência que hoje chegou a Santiago de Compostela polo Caminho Galego-Portugues)


Foi no acordar das ondas adormecidas
no mar morto da minha memória
com o chilrar duma gaivota a desafiar o vento
                        que eu pedi perdão

Foi com o roçar do invisivel fio
que atou a fame ao pescoço doutra vítima
                        que eu pedi perdão       

Pedi perdão a essa meninha
                      que hoje viveu seu último dia
                     e eu me esqueci
                     ou pior
                        eu nem lembrei
                                nem sabia da sua existência
a essa meninha a quem a fame se fora anunciando
       mesmo antes de ela ter nascido
achara acougo no morno ventre
                      no sacrificado ventre de sua mãe
mau foi nascer
          abrir os olhos e nascer
                                       sem vida a aguardar por ela
é só por alguém ansiar dous anacos de pão

hoje
      que minha inconsciência toma as rédeas da conciência
           penso nela
      e quero imaginar o rosto do ladrão do seu pão
pão destinado a ser alimento de mofos nas lacenas dum mundo obeso
atraveso as ruas inçadas de rostos bem mantidos
busco entre os homens
         entre as mulheres
busco entre os mais novos
         entre os mais velhos
busco entre as crianças envoltas em gordura
busco                                      busco
        busco                    busco      
                busco             busco
                        busc   busco
                     busco
 
a minha indecisom vai tapando-me os sentidos
                        não posso escolher
                        nem preciso
qualquer um poderia ser
        mesmo esse
                não
                                melhor aquele
                                                  não
                                                        aquele
                                     aquele...
                                          não
entro na casa
             passo em frente do espelho
                             eis a quem lhe pedir contas.

Concha Rousia

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Pensamentos solúveis IV




Quando me felicitam por meu aniversário
penso que o mérito é da minha mãe.

Quando me felicitam por um texto que
eu escrevi entendo que a mãe sou eu.


Concha Rousia

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Poema para uma vida em Compostela




Eu
Numa casa antiga e nuns olhos novos
Abraçando todos os meus 'eus' possíveis
E destemendo todos os teus 'tus' reais
e mesmo imaginários...

Tu
Amando os telhados de chuva azul
a cair de destiladas nuvens brancas
alimentando as pombas e as visitas
nas longas tardes que sentimos curtas

Nós
Estudando os mapas das nossas geografias
a fazer poemas na pele com dedos molhados
deixando que o sexo nos reinvente corpos
corpos desconhecidos nos nossos corpos

Eu e Tu
e já os anos passam nos levando
juntos...
por sabedoria trocamos o nosso alento
e já somos nós a reinventar o sexo
e os telhados molhados de cidades
reconhecidas nos mapas da pele

Eu
a mesma criança que nascerá outro dia
Tu
o mesmo adolescente enamorado do mundo
que cria nas assas em que voa comigo

Concha Rousia

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Homens que Lutam um dia...




 http://www.vieiros.com/columnas/opinion/998/homens-que-lutam-um-dia

Sentimentos do ser...




Sou chinesa
                 sei que o sou
quando vejo o Céu povoado
polos nossos antepassados

Não por nós ser filhos de Deuses
mas por eles ser os nossos pais

Concha Rousia

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ilha do Pico, Açores
















Haikai 4


A neve gosta

do bico da montanha

se a baixas foge


Namay Ferreira

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Mercedes Sosa & Eu





Sempre me senti conectada com esta mulher
até polo ar de índia que de jeito misterioso
                               
                                e mágico
                               há em mim...

De sempre soube que me parecia com ela
por vezes pessoas que eu não conhecia
                                              me paravam pola rua
para perguntar do meu relacionamento com essa mulher.
Lembro que a primeira vez que alguém me perguntou
eu nem sabia quem era Mercedes Sosa...

Depois fui-me descobrindo nela.
Sabia dessa nossa conexão...
via nela à guerreira irmã que luta
também a minha luta, 
                        como eu luto a sua...
Porque toda a luta é a mesma luta.
O que me surpreendeu foi a sua morte
que até com isso ela me veio marcar

Ela morreu o meu dia de anos...

O dia que eu fiz 47 ela morreu com 74.

Cada novo aniversário meu será também o dela...

Concha Rousia








quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Olhar do Tempo

                                                                       (imagem google)
   
O tempo foge de mim
olha-me de manhã
                          e foge
eu quero saudá-lo
Inclusive quero convidá-lo
e que fique um bocado comigo
                                  à conversa
mas ele desanuvia da minha frente
e acho que nunca lhe darei alcance

O tempo é o gume invisível
do ar morto nos ouvidos de ontem
que afasta de mim os meus tesouros

eu quero que ele se achegue
quero que se faça meu amigo
que me fale
que folgue comigo na cama
e se detenha de manhã
                                 a me olhar.

Concha Rousia
                                                                         (imagem google)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O saber da água...


                                              (imagem google)

(dedico este meu contar, ao ser chamado Avelino Abilheira)

Em Setembro celebras-se a festa da aldeia, celebra-se o Carme e o Santiago juntos; as datas foram mudadas porque os messes que lhe correspondiam a esses santinhos não eram de jeito no mundo labrego e houve anos que arderam as medas do pão por mor dos foguetes; foi por isso que se mudou o festejar para o último domingo de setembro seja o dia que for... mas comemora-se é a virgem do Carme e o Santiago juntos... Agora não é como dantes que duravam uma semana ou duas os preparativos... esfregar o chão do quarto, que esse dia era de jantar, mas outro dia vinha a ser a sala do defunto, ou o lugar onde as moças casadeiras recebiam aos moços que lhes andassem a falar... e ainda outro dia era o lugar onde dormir os convidados em camas colocadas de propósito...

Mas agora a casa vive sozinha... a gente fugiu, uns para o Além, outros para o esquecimento, e outros para as trincheiras da poesia, e outros para nem sei donde... Também esfregávamos os bancos de madeira com uma espécie vassoiro de raízes duras de mão, que nem sei mais como se chamava; este de mão era diferente do de esfregar as tábuas do chão, que era encabado, para não ter que andar de joelhos...

Um més antes começávamos a juntar os ovos para fazer o roscão... daqueles do buraco no meio... Horas de música de batedores em caldeiro de zinco, esse metal que agora não se usa muito e que a mim hoje, não sei porque motivo, me traz à lembrança o poema moçambicano 'quero se tambor'... e quando a música que saíra dos braços das nossas mães parava e a doce massa ia parar às formas, os caldeiros e os batedores eram entregues as crianças... Não podiamos ter medo a gripe... porque irmãos lambem juntos... os lindes do ser individual ainda não foram inventados... O dia chegava... Depois da alvorada vinha o jantar-do-meio-dia (assim se chamou sempre). Depois a gente ia para a aira da festa, a música era de perto, a banda de Parada ou uns gaiteiros de por ali perto... não havia grandes orquestras, e ainda bem, porque assim a música não nos fazia a cada ano mais estrangeiros de nós próprios... Por vezes ser pobre é uma grande riqueza, mas acontece que demoramos em descobrir...

Contudo agora as festas reduzem-se a uma cheia de familiares que nos desconhecemos, uns mais e outros menos, a jantar juntos e pouco mais... Da 'festa' fica apenas a Fonte do Meio da Aldeia... tudo o resto tem um sabor diferente. Mas a água segue a ser a mesma. Quanta água se levava a cassa esse dia e os anteriores...! Este ano quando eu partia para voltar às terras d'Amaia, onde agora moro, parei e enchi uma garrafinha de água a meu passo pola Fonte. Fui bebendo para Compostela... a sobrante acompanhou-me dias depois a Bragança, lá andou comigo nos Colóquios da Lusofonia com os irmãos de língua chegados de Brasil, de Macau, de São Tome, de Nigéria, de Bulgária, da Roménia, de Portugal continental, dos Açores, e também da Galiza... Vi, em terras trasmontanas, algum sinal que não vou aqui desvendar, mas deu para compreender cousas... que esqueci logo.  Voltei para Compostela... 

O dia a seguir, dia 5 de outubro, quando me dirigia à rua do Vilar para um seminário de Lexicologia, com muitos dos amigos vindos de Bragança, já passava perto do muro de São Francisco, (que é santo do meu dia de anos) começou a chover, abri o meu guarda-chuvas e de dentro dele caiu a garrafinha que me tinha acompanhado sem eu ter sido muito consciente, afortunadamente não era de vidro...

Foi vê-la e... Ante mim se passaram imagens do passado, muitas das que eu não podia ter lembrança... depois a água, como o ser vivo que é, me falou junto com o rumor da chuva... eu segui o que ela me indicou... Bebi, dei de beber a terra e ainda ficou algo na garrafinha para as pedras... As imagens do passado esvaeceram transformando-se nas que vinham do futuro... entendi sinais que tinham estado aí (como diria o outro, nas minhas ventas) mas eu nunca reparara, sei que foi a água, que me fez ver... o que senti é indescritível; uma frase dum livro que me ofereceram havia 10 anos justos o dia antes, o meu dia de anos, e que eu não tinha aberto até esse dia, veio à minha cabeça... o livro trata da filosofia Adleriana e o sentido da vida, a frase era... 'we know more than we understand'  Vou deixar a minha narrativa por aqui, mas digamos que eu esse dia compreendi muita cousa que sabia, e não sabia... Também entendi porque levo pedras comigo... Ao ver de novo o relato do senhor Avelino Abilheira lembrei este episódio que estava logo para esvaecer da minha memória, e decidi escreve-lo, e agora sim, já posso esquecer...

Concha Rousia



Nota final: A capacidade da magia vai em nós, em todos e todas nós, é apenas questão de a deixar assomar polos olhos...