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quarta-feira, 9 de março de 2011

Assunta não era o nome da palestrante...

Pois não, Assunta não era o nome da conselheira encarregada da palestra a que assisti por encomenda de uma instituição a que fui representando; e digo mais, Assunta não é o nome de nenhuma das conselheiras, mesmo que todas pronunciem esse nome para se referirem à instituição para a que trabalham: A Xunta de Galicia/Junta da Galiza. A minha ideia era a de fazer uma crónica do evento, falar do Hostal dos Reis Católicos, dos assistentes, e até tinha pensado tratar de resgatar alguma cousa do contido da palestra. Reconheço que me foi impossível. Cumpriram-me os tantos para aguentar sem sair a correr do lugar...



Ora... Como resistir a tortura linguística? Numa mesma frase as persoas passavam a personas para nunca serem pessoas, engulo as palavras junto com o café de pota sem sabor a café... Na minha mente retratou-se o pacote de Sical de plástico transparente da infância, que trazia o Freitas de contrabando de Montalegre... Quanto terá ainda que piorar o café para que nos agoniemos todos? Talvez deveria tratar de me concentrar nos micro-croissants com sabor a nada que decoram as mesas, que são muitas e redondas, cheias de gente, de homens, com alguma mulher por cá e lá, decorativamente... As mulheres, isso sim, serviam o café, guardavam os casacos da gente, e uma vestida de cores apagadas passeava polo corredor central entre as duas metades da sala, como uma Barbie anoréxica, des-atrativa e triste, uma mistura entre o cuidador da biblioteca do liceu, anos 80, e a Fräulein Rottenmeier, mas nesta de hoje nem havia maldade... e eu aqui fazendo de Heidi... Sem montanha, sem cão, sem avô e sem Pedro, sozinha, estava sozinha...




Enquanto na sala continuavam a chover palavras vazias, palavras que nem molham sem se molham... Três brasões da era dos Reis Católicos coroavam a reixa que separava o lugar desde o que a oradora, acompanhada de seus acólitos e a TVG, continuava a sua charla, de vez em quando as palavras deixam de ser uma simples chuva para se converterem em facas que espetam a dignidade de qualquer falante... ‘...Como nós ya hemos dito...’ ‘...y vamos conceder mais assudas...’




Resisti. Hoje, enquanto repasso as notas que tomei, alegra-me não entender algumas das palavras que rascunhara no meu caderno, porque esta crónica podia se endurecer muito... Lembro quando decidi desatender e concluir um de meus desenhos, a sinal de STOP que me recomendara a minha filha ia vir-me bem... Pintei na minha folha, nem me importei se alguém me estaria a ver, era impossível não. Sem saber por quê, e sem intenção de me comparar, pensei em Castelão, perguntei-me se ele teria desenhado alguma das suas maravilhas em reuniões como aquela... Quem me dera ter a sua capacidade... Reflexionei sobre as culturas, e como elas são rios, rios que por vezes vão louros, como ia o de Alhariz em tempos nos que o velho alcaide, o Raposo de toda a vida, permitia esvaziar nas águas do Arnoia o sangue e os refugalhos do matadoiro; sim, por vezes os rios vão louros e emporcalhados, como vai este nosso hoje...




Foi aí que reparei que a senhora não é que falasse mal e com erros agora, era que se passara completamente ao castelhano; longe da imersão linguística, cá temos um caso de invasão linguística... Aí sim pude já com calma acabar meu desenho sem ser interrompida pelo vazio discurso. Sei que alguma pessoa se pode sentir desiludia polo fato desta crónica não tratar de cousa nenhuma, mas é que isso foi o que obtive daquele encontro com uma conselheira que não se chamava Assunta, ora bem, repetiu tantas vezes essa palavra para justificar o que ela fazia, ou até deveria ter dito, o que não fazia... Uma última pergunta, retórica naturalmente, me assaltou: Como me fizestes isto? Como me entregastes a este mundo de loucos? Eu aqui com um legado de ouro em pó condenada a ir por caminhos lamacentos e atestados de bandidos... Desejei ser invisível.