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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Talvez uma crónica...


Hoje saí ao quintal com andar desajustado, nem sei por quê, não é férias já, não é tempo de pleno rendimento no trabalho ainda, é tempo de mudar horários, de abrir o dia mais cedo e com menos vontade, abrir a escuridão com o amanhecer... Contudo, eu saio sempre ao quintal, forçando a vista, que cai polos recantos, vai na procura de fugir de nada, de fugir talvez de ver... 

Foi assim que descobri, entre tábuas velhas, e nacos das cascas dos ovinhos das andorinhas que nasceram e voaram... foi sim, aí, que vi as letras do meu nome... Será que aí eu as tinha deixado? Sem tempos para respostas decidi apanhá-las e guardá-las. Fui juntando-as na mesma ordem desordenada que elas iam aparecendo; depois tentei colocá-las juntas para escrever, como é devido, o meu nome, esse que aprendi a usar, mesmo sabendo que não sou eu, mas elas, acostumadas a solidão do verão não me obedeciam, e se moviam livremente para escreverem cousas estranhas que eu nem sabia o que queriam dizer... Então pensei que meu nome me tinha abandonado, como outras vezes no passado, compreendi que talvez isso signifique que necessito uma mudança, mudar como mudou agora no verão a cobra sua camisa, para poder crescer...


Orvalha miudinho sobre a relva do quintal num som de pingadas melancólicas sobre as telhas... lavando tudo, incluído o meu rosto lavado, então deparo numas folhinhas novas, diferentes, que andam a nascer num recantinho, reconheço que são as do carpaço azul que na primavera eu trouxera do monte e plantara mas ele tinha secado, ora eu, acostumada a não desistir de causas perdidas, deixei lá sua raiz, que eu trasplantara inteira, deixei-a lá na terra, com seus galhos e suas folhas secas... Jamais pensei que brotaria, mas continuei a regar aquela raiz, que hoje rega meus olhos com as folhas verdes que arranca da terra negra... 





Que fortes são as raízes, lembro quando era pequena que meu pai mudou uma macieira de lugar porque estava demasiado perto da parede da casa, uma casa com paredes de pedra, de um metro de grossor, mas mesmo assim, nada iguala a força de uma raiz, ela tem a força da vida, lembro agora também como sempre as ervas e as flores rompem o asfalto nos caminhos para nascer... Já mais contente por ter descoberto que o carpaço do monte sobreviveu me lembrei de ti e de mim, de nós, e senti vontade de escrever uns versos, esquecer as três mil cousas que tenho para fazer e escrever meus versos para ti, mesmo que tu não os leias...

Escrever e ler são cousas que nem sempre se relacionam, julgo que imaginar que tu não os vais ler lhe resta algo a meu escrever, mas escrever é um processo em si, rebenta na alma como a raiz do carpaço, sim os versos, quando são versos são como a raiz da vida, rompem qualquer cousa por sair as letras, rompem o meu juízo comum a cada dia... E agora acho que talvez por isso as letras do meu nome escolheram habitar no jardim e fugir das formas que as prendiam, para irem na procura de sua própria raiz... mas voltando aos versos que mexem em mim para nascer mesmo nesta melancolia que tinge meu dia hoje... talvez nem sejam poéticos, mas eles hoje me falaram assim...


Para que quero a noite
se me esconde a Lua
porque diz que é tua?

Para que quero o Sol
se eu hoje me escondo
e procuro só as nuvens?

Para que quero a chuva
que rega o meu quintal
se sei que nuca verei
contigo nascer flores?

Para que quero a vida?
para que quero a vida?



Já com esse poema inacabado em meu caderno, entrei na paz de casa... fiz café que me soube a café... e o dia nasceu com sabor a dia novo e a promessa antiga...

Concha Rousia