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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Conversas no espelho





Após uma noite 
de reflexão na escuridão
desde onde o espelho não me pode ver
conversei com ele... 





- Porque não me reconheceste? –Perguntei.  
- Eu te reconheci... –Respondeu ele.
- Como assim? Isso não foi o que eu vi...
- O que 'tu' viste? –Perguntou agora ele.
- Que queres dizer? (eu sou galega... sempre pergunto mais)
- Nada, não quero dizer nada, espelhos não falam...
- Entendo, estou perdendo minha sanidade...
- O espelho riu-se...

Compreendi que o espelho era eu, tudo era eu, a parede do quarto, era eu, a cor verde que me faz viajar e dormir em paz era eu, as cores da roupa, era eu, os sapatos sempre desordenados, era eu também... 
Então se sou eu o espelho, o que significa não me reconhecer? Essa foi a grande pergunta do dia, e a grande resposta da noite... Aprendi com minha mãe, e seu olhar celta, que a noite tem as chaves para tudo, é só encontrar a que abre a nossa mente e deixar-se guiar... Foi assim que fiz. E então entendi. O espelho é, com efeito, idêntico à parede, ou à flor que cortei ontem, ou ao passarinho que voa...

Aqui não estou a pensar em longitudes de onda a virem informar o olho para transmitir ao cérebro e assim este saber sobre bordes e sombras e decidir cores... Não, eu aqui estou a falar de que tudo é o mesmo, só muda como nós vemos, na flor vemos a cor, sentimos o cheiro, na pedra, até sem tocar podemos sentir a textura e frialdade... No espelho aprendemos a ver a nossa forma com os olhos de fora, mas realmente o que vemos vem de dentro de nós, como o significado dessa flor...

Lembro como a ovelha Teca uma tarde que entrou por toda a casa, foi romper o espelho do armário do quarto da minha mãe com uma romada*; pensando que enfrente tinha uma inimiga que se acercava demais, foi-se arredando para trás, e viu que a outra também fazia o mesmo, e logo ambas correram a topar suas cabeças rompendo o espelho em mil nacos... Era óbvio que a ovelha não se reconhecera, hoje me senti bastante mal pensando que meu siso não se distinguia do dessa ovelha... lembrei também como ela adorava que eu lhe desse uma côdea de pão da minha merenda...

E decidi descobrir a verdade, não a da ovelha, a minha verdade, então foi, perdi meu sono e viajei além meu saber... Conclui que tudo que o que vemos no espelho não é apenas o que está na nossa superfície, a nossa superfície é como a tona da água... Se dentro está enlourada fora também se mantém turba... Então, se o espelho (bom, meus olhos nele) não me reconhece é porque a minha superfície está turba, e então o interior está enlourado também...

Naturalmente fui olhar lá dentro, que outra cousa podia fazer? Para ver lá dentro é precisa a intimidade da noite e a solidão... Fui, e vi, vi com claridade... E entendi... Entendi que dentro estavas tu, isso inicialmente confundiu-me ainda mais... Porque tu já estavas antes e o espelho me reconhecia, e inclusive me via mais bonita, com a pele e os olhos mais brilhantes... Então o que se passava agora? Porque agora o espelho não me reconhecia... É verdade que hoje tu te movias mais, talvez fosse isso que me criava a confusão, talvez...

Podia parar por aqui e deixar que tu, se me leres, tirasses as tuas conclusões, e podes fazer isso, sim, mas eu tenho que tirar as minhas, então vou lá, não posso agora parar assim... Tu estavas lá dentro ocupando as estâncias da alma, mas eu não estava contigo, é por isso que não me podia ver em espelho nenhum, eu não estava contigo porque tu estavas vazio de mim, essa que levas em ti já não sou eu...

(P.S.: Qualquer parecido com qualquer realidade é apenas efeito do espelho... look again...;)
 
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Romar*

v. tr.  
Acometer com os cornos os bois ou vacas: romou-o a vaca
v. i.  
(1) Empurrar um contra outro.  
(2) Dar uma topetada, pegar com algo em geral: romei contra uma pedra.
  

3 comentários:

  1. Hei, tu estás ficando craque em espelhos...rsr. Estou aqui tentando lembrar o nome daquele filósofo que tinha por profissão fazer lentes e morreu com o pó dessas lentes impregnado em seus pulmões... não... não consigo lembrar. Mas, ele era um expert e suas lentes eram famosas pela perfeição, ele um aficcionado pela milimétrica perfeição em sua filosofia... A sua profissão paralela a de filósofo talvez teria sido uma metáfora de sua essência.

    Bjs minha princesinha da Galiza.

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  2. Ah, lembrei... Spinoza! Como fui esquecer... é o título de meu blog que tem como essência isso, a sua filosofia, a de que a "substância não possui causa fora de si, ela é causa de si mesma, ou seja, uma causa sui".

    Não sei porque estou te dizendo isso...rsrs. Mas, está aí. Bjs

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  3. Hosamis, minha querida, desculpa que meus textos te tomem tanto tempo, mas eu depois ao ler-te imagino que é tempo que passamos juntas e vou somando os minutos numa caixinha de aforro para um dia viver eles todos na nossa mútua presença... Grata por teu lindo carinho, tua sabedoria e tua bondade comigo... te amo, beijos em tua almamiga... Concha

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