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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Até tocar as veias

Hoje quero pensar em mim, apenas em mim, quero entender-me inteiramente, pensar até encontrar o mais recôndito, aquilo que ninguém tocou, nem intuiu, porque lá é que eu estou, só eu sou permitida, e nem sempre... Usarei as enrugas da minha pele como se fossem estradas, e mergulharei no interior até sentir nascer os tempos novos nos espaços em que eu ainda existo, descobrirei totalidades que apagarão os nadas inexistentes nos que eu me tenho esvaziado... esquecerei o caminho de regresso, não há regressos, isso sempre é ilusão, ocultarei as minhas pegadas ao passo que avanço, não, não vou levar pão para deixar migalhos, eu não preciso...

Seguirei avante com a mensagem até o fim, a mensagem que me deram os deuses, mesmo eles sabendo que eu descreio deles, sei que tiveram que dar-ma, ou talvez a mim não me deram nada, talvez sou um experimento, ou um descuido, Zeus olhava para nenhures quando eu passei e não conseguiu soprar nada dentro, sou como uma dessas latas de sardinhas que não pesam, porque a empregada da cadeia de produção também tem direito a espirrar, mesmo sem ser Zeus, e torceu a cara, porque também tem direito a ter princípios, e agora ao abrir a lata só ar é que achamos dentro, isso das latas inventei-o eu neste instante, não sei se pode acontecer, mas eu necessitava uma imagem potente, porque hoje escrevo para mim, e sei como eu sou difícil de enganar...

Eu sou o meu próprio enigma, a cor negra do meu próprio abismo, quero atravessar-me na escuridão, como quem passasse polo túnel do próprio corpo, mas em lugar de ver as raízes das árvores pendurando do teto visse as próprias veias, e os nervos, mesmo parece a cova do inferno, seria mais fácil enxergar com alguma luz aqui dentro, mas tenho medo que me queimo, sei o que dói a cera das velas quando cai na pele... nem quero imaginar o que doerá por dentro, quando era miúda adorava derreter as velas inclinando-as para que pingassem nos dedos juntos da minha mão esquerda, até que os dedos ficavam colados e convertia-me em palmípede, adorava a sensação, por vezes era difícil resistir... queimava muito, e aí eu pensava o que doeria ir ao inferno, lembro que em dias assim eu apanhava o livro de religião e tentava memorizar aquilo que diziam ser obrigatório nos quadrinhos amarelos, mas hoje só a cor dos quadrinhos é que lembro, para além de lembrar que imaginava o diabo perguntamdo-me a lição, e se falhava ele enviava-me para o lume eterno...

Talvez o jogo da cera era apenas um ensaio para me aproximar daquele abismo que eu me via obrigada atravessar por causa dos padres e da religião e duns colonizadores que trouxeram aqui essa religião alheia, carente de espiritualidade que eu pudesse entender, ou alguém pudesse me explicar, ouvi tantas vezes a frase 'cala meninha' 'não cala nem que lhe ponham o pé no pescoço...' 'fala polos cotovelos' sim, essa era eu, e hoje tenho que chegar a essa 'eu' para espreitar todos os meus caminhos; quando miúda eu memorizava frases, na língua da religião e da escola, que não era a minha, nem era a do corpo nem era a do espirito...

Uma palavra,  'tusumbrales' vem agora à minha mente, e eu perguntava: O que são os 'Tusumbrales'? sim os 'Tusumbrales Jerusalém'. Não lembro respostas, e talvez por isso eu não fui nunca capaz de aprender o 'credo-longo', nem a 'dios te salve' e por isso tive que decidir fazer-me des-crente, com o que eu conseguia aprender não dava para entrar no céu, talvez por isso decidi me meter na arte da escrita, ando a procura das palavras perdidas que me guiem, sei que não podem ser as da bíblia, as de nenhuma bíblia, nem as de outros credos ideológicos que também tentei aprender e já desapendri, reconheço que talvez eu nasci com algum problema para acreditar e por isso tenho que ir dentro, lá onde começam os caminhos, e talvez depois de me estudar desde dentro tenha que definitivamente reconhecer que nasci, me nasceram, com algum defeito, não vou culpar Zeus nem os seus devaneios, mas alguma resposta eu necessito, nem que seja a verdade...

(em andamento, é claro)

Santiago de Compostela 13/12/2011
Recital da entrega do prémio 'Rosa de Cem Folhas'

4 comentários:

  1. Conversas no texto:

    Carlos Durão parece que a autora teve má sorte coa catequese (a minha foi muito mais "galega", até lúdica, memorística mas "aquilo" estava claro que era castelhano, portanto não muito sério... até escrevi umas folhas sobre ela...); aperta!
    há 2 horas · Não gosto · 1
    Concha Rousia Carlos, o meu passado estaria bem integrado se o presente oferecesse algum abraço, algum acougo... é o presente que me faz rever, reler... revisitar o passado pois ando a procura dos passos perdidos do nosso coletivo, e da minha pessoa... este texto é profundo, viajo nele, não condeno nada... Aperta, Carlos, em breve será de verdade.
    há 2 horas · Gosto

    Carlos Durão ‎"se o presente oferecesse algum abraço, algum acougo...": eis o meu! carinhoso, sincero!
    há 2 horas · Não gosto · 1
    Concha Rousia ‎:) Sim, por isso escrevo, porque ainda existimos... e nossos abraços, o teu abraço, e tb o meu!
    há 2 horas · Gosto

    Nascime Amad Amad Boa tarde..... Concha Rousia.......linda mensagem de amor........o meu abraço.....amiga querida......bjscor pazluz!!!
    há cerca de uma hora · Não gosto · 1

    Nascime Amad Amad é de amar........ é pra refletir......................................
    há cerca de uma hora · Não gosto · 1

    Arnaldo Norton Vejo que padece do mal de "não acreditar"! É uma doemnça terrível que nos corrói até aos ossos ! ...
    há cerca de uma hora · Não gosto · 1
    Concha Rousia Pois é Arnaldo, mas acreditar não pertence nem atende à razão... e corrói os ossos, corrói... ainda bem que consigo falar nisso e então vou seguindo descarrego peso e continuo... abraço grande daqui do norte.
    há 48 minutos · Gosto
    Concha Rousia Nascime, querida, prazer sentir por aqui tua alma passarinha... beijosss
    há 47 minutos · Gosto · 1

    Ricardo Costa Arribe Bendito sexa o teu retorno desa viaxe para o abismo! Por que benditos son os viaxeiros que teñen a coraxe de viver sen crenzas para experimentar por si mesmos os misterios da vida, traendo sabedoría para todos a este mundo de luz e progreso por todas partes.
    Aperta
    há 47 minutos · Não gosto · 1
    Concha Rousia Boa tarde Ricardo, eu não sei se é coragem ou se é necessidade de adaptação, crenças são oferecidas pelas deidades, nada há a fazer se um nasce como eu nasci... Mas aceito que sim tenho coragem para o desafio de entrar na minha própria escuridade, sei que o que expedimento não deve ser afogado em mim, sinto-me honrada de poder dividir com todos e todas que desejam ver por onde eu passeio... Alegra-me imenso que entendesses isso... porque afinal nós somos viageiros na mente, né? Grande abraço, Ricardo.
    há 37 minutos · Gosto · 1

    Ricardo Costa Arribe É coraxe, Concha: forza da cor!
    As crenzas son os depósitos mentais que a historia nos deixa de experencias de corazón que outrora vivificaban. Precisamos adaptarmo-nos por que esas crenzas ficaron muito lonxe do corazón. A algúns toca ser, de novo, heroes que descenden aos infernos e traen o tesouro que vivifica, de volta.
    há 26 minutos · Gosto
    Concha Rousia Bom, Ricardo, sei o que sinto na soidade de experimentar por esses caminhos desses infernos, e por isso que tu, que alguém, sejas testemunha é suficiente para valer qualquer esforço no momento da coragem... Ora, também te digo que é involuntário, é arriscado, é aceitar andar na corda bamba sabendo da fragilidade... mas já descobri que o resto, tudo que existe não necessita de mim, feliz desta conversa contigo, bom mesmo!
    há 15 minutos · Gosto · 1

    Ricardo Costa Arribe Cualquer día habemos ter unha conversa máis demorada ao vivo. :)
    há 8 minutos · Não gosto · 1
    Concha Rousia Também é o meu desejo, temos que organizar algum convivio com a nossa querida Iolanda Aldrei bjs
    há 4 minutos · Gosto · 1

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  2. "Acougar" é uma bela palavra. Conheci-a nesta madrugada, de sexta para sábado. Nesta noite, muito noite aí, mas aqui quase 1h da madrugada, conversávamos eu e José Manuel Barbosa pelo grupo "Em galego temos o mundo inteiro" sobre a língua galega, em especial algumas peculiaridades da língua. Foi uma conversa muito boa, e em meio a ela pesquisava no Estraviz algumas palavras necessárias a minha compreensão. Não é que me deparei com "acougar" e imediatamente adotei-a anotando em meu caderno-agenda de anotações sobre a língua galega. E hoje, lendo os comentários sobre este seu texto, antes de vir aqui lê-lo, li que você escreveu a palavra em resposta ao Carlos. "Acougar" talvez seria uma de suas palavras perdidas, pois:

    Acougar

    v. tr. e i.

    (1) Sossegar, tranquilizar.

    (2) Aquietar.

    (3) Repousar.

    (4) Cessar num trabalho de empenho e ansiedade.

    v. pron.

    Sossegar-se, tranquilizar-se, acalmar-se os ânimos.

    (http://www.estraviz.org/acougar).

    Beijos Concha, e desculpe-me, sempre, por escrever tanto, mas é que não consigo escrever em poucas palavras o sentimento que vai aqui, de tentativa de acougar, de longe, teu galego coração.

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  3. Querida Hosamis, acougar é uma dessas palavrinhas que nós usamos muito, é uma palavras carinhosa, é como calma, sossego, mas para mim é como mais familiar polo uso.
    Quanto a escreveres muito, não te importes por isso, eu adoro ler o me escreves, só q deves não tentar passar tanto trabalho por minha causa :) Beijos

    Concha

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  4. Hhahaha... Concha minha querida, não é trabalho nenhum. Trabalho é peso e tu és leveza, além do mais estou desempregada e devo aproveitar para ler muito e escrever muito (e sei que daqui a pouco não terei mais esse tanto de tempo). Mas, por favor, não se incomode em responder todos esses meus apartes à sua escrita; apenas leia, e sei que você lê, e já ta bom, e deu! Eu sei que o todo escritor sente necessidade de comentários aos seus escritos, e também eu não gosto de ver algum escrito seu aqui sem sequer um comentário (rs). Apenas, não responda se por acaso sentir um tantinho ou um tantão assim de incômodo; apenas leia e sinta-se amada pelos seus leitores, que te amam.

    Beijos.

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