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quinta-feira, 19 de maio de 2011

O poder da mão e a mão do poder


Hoje quero libertar a minha caneta, quero deixar que a mão decida, deixar a mão morta, como quando era miúda e um irmão maior usava isso para me bater na cara com a minha própria mão, sem mancar, eram golpes para ensinar a descobrir o que é ceder o poder de nosso corpo, da nossa mão, da nossa ação, lembro o meu braço tenso rebelando-se contra esse meu irmão, ou contra outro, tive tantos... e tantas irmãs... quando nasci quase nem ficava em mim espaço para aprender meu nome... a numero 10, eu fui a numero dez, e depois aprendi a servir esse insaciável número.
Mas daqueles jogos inocentes, mesmo que nada na cultura tradicional o fosse, aquelas maneiras de brincar talvez o pudessem ter sido, assim como o 'Decotím-e-decotám-e-da-cabra-em-cardoám-e-da-sala-pra-cozinha-quantos-dedos-tens-em-cima?  Hummmmm...4...Se-disseres-três-nem-perdias-nem-ganhavas-nem-levavas-tantos-palos-como-tienes-que-llevar...1-2-3- E de novo as costas para o decotím-e-decotám até adivinhar..., E agora que escrevo isto por primeira vez fora da minha cabeça ou das costas da minha filha, e antes as da minha irmã, venho de perceber uma mensagem oculta, cifrada, uma de tantas, sei que o é... sei que o é... tudo era na nossa língua, mas essa parte final estava em castelhano: -palos-como-tienes-que-llevar... Eu hoje sei o que isso significa, hoje sei o que significa... e vou-o guardar em meu silêncio de pedra, um silêncio que venere o saber de quem me entregou as chaves de decifrar o mundo em mim... choro, por esses paus doutrora, ocultos e hoje recebeidos... E agora eu, chegados este ponto, não posso mas libertar a mão, é a alma a falar, a mão sabe disso, a mão aceita, a mão serve, a mão anda, a mão voa, a mão acaricia a alma atormentada... a mão enxuga as bágoas*, enxuga as bágoas, enxuga as bágoas...   
Concha Rousia
bágoas * (lágrimas)

2 comentários:

  1. Concha, as mãos que enxugam lágrimas, semeiam flores e dão carinho... poetizam o existir e assim , pouco a pouco, a mão que era serviu se vê mão liberta emão de libertação... Como escreve, sentimos seu pulsar e vemos seu brilho, amiga, é um canto da vida que se sonha vida esfuziante e andarilha... Abraços com carinho, Jorge Bichuetti

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  2. Pois é Jorge, meu querido amigo, as mãos pelas que sai tanto de nós... elas transmitem o pulsar da vida interior, mãos amigas, intermediarias entre o mundo interior e o exterior, um prazer imenso que as tuas venham aqui escrever, grata por tu existir... Abraços de carinho, Concha

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