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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Biografias...

Recitando por primeira vez este texto no 'Negra Sombra' Vigo 12,2,2011

...quando eu morrer quero que escrevam todas as minhas biografias, ora bem, quero que contem todas as minhas vidas como elas foram, as secretas e as outras... Ah, e por deus não esqueçam falar da parte na que fui puta e vivi fora de meu corpo para o poder ir vendendo a homens que sonhavam com se desfazer de uma alma que lhes ardia dentro... Eles necessitavam um corpo e a mim sobrava-me... mas nem eles conseguiam deixar em mim a sua alma nem eu consegui nunca me desfazer do corpo que segue comigo ainda hoje, não esqueçam contar isso...

Como não devem esquecer contar de minha etapa de freira, quando eu morava num silêncio de pedra que me fazia adoecer os joelhos, aí tinha o meu corpo todo para mim sozinha e o chão duro... Mas sobre tudo não se esqueçam de falar da mãe que fui, sempre duvidando de se o estaria a fazer bem, sempre, mesmo tendo a certeza de que não há forma de o fazer bem, nem jeito de saber o que é fazer bem, curei da meninha que ficara danada dentro de mim desde a infância, essa criancinha que todos temos e nos tapa os olhos impedindo-nos ver os filhos e filhas de carne e osso diante de nós.

Também quero que contem quando fui deus, e consegui que todos me obedecessem, mas não durei muito tempo porque aquilo dava-me muito trabalho, e quero que saibam que se em alguma cousa eu fui constante foi em aborrecer o trabalho repetitivo, deixei o meu emprego de deus, já tinha deixado o de puta e o de freira antes, ora que esquecer-me de seguir sendo deus custou-me... Tenho por aí muitas outras partes que não quero que esqueçam, por justiça não se me vão esquecer da poeta, essa, a coitada padeceu por todas as demais... Até pola desenhadora de mapas do inconsciente, que resgatara todas em alguma ocasião.

E a colecionadora dos suspiros do loureiro, está última noutro tempo teriam-na chamado de louca mas nos tempos que viveu já a gente se desentendera de ver outra gente... e ela via apenas o seu loureiro e contava os seus suspiros... Depois sempre saía voando com alguma melra que chegasse ao quintal... mas de entre todas elas se só podem escrever sobre uma... aí então escrevam sobre a labrega, a cultivadora da terra... essa foi a primeira em nascer e a última em morrer, a labrega enterrou as outras todas, incluída a que era deus... e sobretudo enterrou a puta, a labrega estava enraizada no corpo e nem quando era puta, ou freira, ela se foi embora... sempre gravando tudo, nem sei como permite às mãos hoje escreverem isto...

e já agora não se esqueçam da política, essa foi a mais patética, mas o pior é que ela também o sabia, candidata sem fé e com consciência... e as outras biografias todas que ainda faltam, por favor esqueçam-se delas, esqueçam a que cantou em mim, esqueçam essas e as outras todas... depois quando tudo esteja, palavra após palavra, deitado nas folhas, peço que as juntem e as queimem sem ler... Meu último desejo é que sejam cinza como eu...

Concha Rousia

7 comentários:

  1. COLOCO AQUI AS PALAVRAS QUE O POETA PORTUGUÊS Virgilio Liquito ME ENVIOU...

    Que deus não nos liberte das crianças que almejamos ser Concha, criança agrilhoada de todos os cristais eruptivos: não admitirás quaisquer que sejam as tuas vidas nunca perdidas.
    O deus pequeno, badalado, porque admite que o vendesses à prole, saberá recuar face à chama que exalas pela poesia, nem que te queime os estilhaços que te resta de coração.
    Nem os claustros esses, te arrancariam do teu grito de liberdade, o qual bem cedo te acariciou, como estigma da tua única vida, sina tua vivida.
    És um verbo, em vida, nunca pela puta despercebida de quinquilharias sentimentais, quais revoltas a tua intrínseca criança, já nascida, agarrada à terra amiga, que não te sepultará.
    E nesse carril longo, de esperanças, que causas te obrigariam trabalhar a terra que não digerirá; que te permite, contudo, ciciar as palavras intrometidas que te ferem em momentos de interioridade; elas as ditas, jamais deixarão que te fines no coração de quem se drena pelo seu sangue, que te move como se fosses um criancinha , não desaparecida.

    Abraço/Beijo
    V.L.

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  2. Sem palavras, tudo o que eu dissesse seria pouco. Parabéns Concha. Será grande prazer receber sua visita no blog da minha filha. http://rua401.blogspot.com Beijo da nuvem.

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  3. Obrigado minha Amiga Concha.
    Bem gostaria de sentir o som,...por e dessas palavras.
    Parabéns pela tua coragem.
    Abraço/Beijo

    V. Liquito

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  4. Amados Concha e Liquito,
    adorei!!! Parabéns a Conchita por farejar a sensibilidade das palavras do Liquito.
    bjs

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  5. Meus queridos e queridas amigas, fico feliz de ter vossas palavras e carinho aqui neste meu cantinho, onde tenho guardados em garrafinhas com forma de letras algumas das cousinhas que gosto, sinto-me feliz de poder dividir este meu mundo, esta minha república convosco, abraços e beijos para vós, sempre!

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  6. CONCHA! Tenho que escrever seu nome assim, com letras maiúsculas. Seu texto é maravilhoso, de uma coragem ímpar. Mas se no início você pedia que divulgassem suas diversas biografias, no final pede que as destrua...
    Biografias (mesmo não grafadas) são indestrutíveis, Concha, e a sua (seu interior), certamente será preciosa para todos.
    Beijos

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  7. Leide querida amiga, este texto que afortunadamente não é autobiográfico, pelo menos não literalmente, é um percurso pela vida das possíveis, umas mais reais do que outras, mulheres em mim... Adoro ter coragem de expressar o que dói... com certeza tenho algo de todas essas, mas a cada dia a labrega (camponesa) mais se apodera do território da alma. Obrigada pelo carinho, gosto de tua leitura, beijos

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