Hoje eu desejaria apagar paisagens... Paisagens que foram incendiadas em meu interior, devastações, paisagens que consomem toda a água das minhas fontes enquanto eu morro de sede...
Hoje eu desejaria desandar caminhos que me gastaram os sapatos e não me levaram ao lugar desejado, sonhado, caminhos que deram a volta sem eu perceber e me fizeram retornar aquém do meu começo...
Hoje eu desejaria que o sol respeitasse o meu corpo e deixasse de arrancar-me sombras que me amostram ao mundo, como este absurdo texto aqui vertido... Que fala, não de mim, este aqui, como todos os demais textos, fala de como o sol me projeta contra o chão, e contra a minha vontade...
Hoje eu desejaria não ter vontade, ser uma árvore, uma pedra, uma gota de vinho que fica no cálice vazio, já viu que sempre fica lá uma gota? Eu quero ser ela, imbebível...
Hoje desejaria ser doutro tempo, ser do meu tempo, do tempo ao que pertenço, do tempo onde só há palavra falada... Mas habito aqui, neste extremo da incomunicação moderna, falo comigo, sozinha como todas as pessoas, e depois talvez um outro sozinho, mesmo tu, passe e se saiba sozinho lendo isto... Somos habitantes que nos achamos do futuro mas somos realmente como habitantes da era pré-histórica, vamos lendo rastos de outros que passaram, das suas fogueiras, das suas lutas, mas jamais os encontramos a eles... descobrimos ossos dos animais que caçaram, que comeram, esqueletos dos que tiveram má sorte, ou boa, vai lá saber...
Hoje desejaria ser doutra raça, mesmo sabendo que as raças não existem, são divisões da geografia humana para nos separar, nos debilitar, os débeis necessitam sempre debilitar a todos para eles ficarem melhor em seu monólogo com sua própria debilidade...
Hoje eu desejaria ter uma religião proibida, num mundo onde 'não-proibir' é só para matar o desejo, como na moda hipie ou o rock & roll... Eu queria ser queimada por bruxa, queria ser capaz de impactar algo esse mundo, esse mundo no que me afogo em meus próprios monólogos, que me confirmam como de sozinha estou... estás, estamos...
Hoje eu desejaria, como sempre desejei, como desejo... Escrever para os que não me leem...
Concha Rousia
( Não acho que este texto mereça ser acompanhado por nenhuma música... talvez, só talvez, mereça a do silêncio...)
A música
meu bem
não espera no ar
ela vai-se
desfaz-se em ondas
que viajam como eu
ela não espera não...
mundo surdo
absurdo
sem som
nem tom
...
Concha apesar da tristeza que tem sinto a dimensão do abrir-se em seu texto,somos seres de desejos né que se abrem para o projeto infinito e então seguimos
ResponderExcluirgostei imensamente destas linhas, maravilhoso este
abraços
Olá Concha,
ResponderExcluirComo estás?
Belíssimo texto, cheio de profundas amarguras.
O tempo do "make love not war", já terminou.
Ficaram as lembranças!
Bjs de luz.
Amei, como sempre tens o dom da palavra, abraço de saudade. Té
ResponderExcluirApesar de o poema ter sido oferecido aos não leitores ... eu, com ciúme deles (rsrs)..., comento.
ResponderExcluirComento invadindo esse espaço...
("invasora", sim, visto eu ser leitora assídua de Concha Rousia ... e mais uma vez afirmo o meu ciúme...rs)
... espaço pleno de ser, embora o ser não o deseje ser. Como deixar de ser? A questão aqui não é "ser ou não ser", pois sendo ou não sendo se é algo. A questão aqui é o desejo de deixar de ser o que se é e o de ser o que não se é. É o desejo de estar em um ponto entre o ser e o não ser... É possível?
Beijos,
Hosamis
Sandrio, é meu amigo, a tristeza atendida e entendida, deixa sempre sua prenda para nós... mesmo que seja um texto a falar dela e entender estes processos. Obrigada por tuas tão amáveis palavras, abraços, Concha
ResponderExcluirObrigada Luz por teu comentário e presença... fazer a guerra pode ser mais uma forma de amor ;) abraços para ti minha cara,
ResponderExcluirConcha
Theresa, minha amiga querida, saudades de ti, saudades de Bragança e nossas conversas... beijossss
ResponderExcluirHosamis, eu sou amiga dos paradoxos, imagino que tu já sabes isso... sou psicoterapeuta adoro chocar a ordem estabelecida das mentes que necessitam ser movimentadas (e todas tarde ou cedo necessitam, n'é?) As tuas reflexões filosóficas são interessantes, sempre... Olha os galegos e galegas temos ainda uma outra situação mais complicada do que a que tu expões, nós estamos condenados a 'ser' e 'não-ser' a mesma vez... Sim, assim é, muitos concordarão comigo, Obrigada por tua 'invsora' rs presença, abraços
ResponderExcluirConcha