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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Afirmação da rosa

No quintal...
Hoje abri cedo a janela, como sempre, mas hoje ao abrir sai, outros dias abro apenas para que o ar entre enquanto eu sigo encerrada, cultivando dúvidas em meu território mental, por vezes repensando pesadelos ainda vivos nas vísceas... mas hoje saí, hoje não tinha nada em mim a me reclamar, e quando abri notei que saía voando como uma folha no outono, sendo levada, é tão bom se deixar levar quando a vontade é essa, sem nenhuma resistência, é como pousar o peso da vida por um segundo e viver, viver sem sentir essa sentença... Então saí, vi a Melra perto da roseira e reparei na rosa, só há uma aberta, nem sei como pode estar aí tão cedo dando cor ao quintal, que a estas horas, mesmo ainda com sua camisa de prata vestida pela friagem da noite, está já em festa... Pergunto-me porque todos os passarinhos cantam assim tão cedo, que andarão a contar? Falam entre eles, brigam...?  Gostaria de entender melhor esse mundo que tantas vezes sou capaz de ignorar... 

Os sinos de Basta-vales, que tanto levam chamado nos poemas de Rosalia, chamam agora também, se alguem se quer sentir chamado... Vi a pega subir no Castanheiro, onde à noite senti a Coruja... hoje o castanheiro está despido, como eu, nua, encantada com levar nada... Percebo que é outono em mim, sou cíclica como a Lua, como a Terra, como toda Mulher... A Lua não anda agora por aqui e a Macieira perguntou-me se estaremos já no primeiro minguante de janeiro que é quando ela quer ser decotada, quer ser libertada de certos ramos que lhe pesam, então hoje terei que andar à procura da Lua... O mundo hoje transcorre aqui fora, e eu não viajo além do que me permitem os olhos... meus olhos, que hoje são verdes e úmidos refletindo o ser da Alva... 

Sinto-me bem, os meus pulmões foram criados para arrancar o ar frio das montanhas, da minha boca sai bafo quente... lembro como de miúda brincava a fumar, em verdade, brincava era a ser adulta, era a ser o pai, pois na altura em meu mundo as mulheres só fumavam às escondidas... Não tive opção senão fumar para vencer as invisíveis paredes que me oprimiam... Depois, na adolescência, um ano após morrer o pai, desafiei o mundo estabelecido fumando um charuto, claro que para atrever-me tive que beber algum copo de vinho, ajudou que se celebrava um casamento na família, o primeiro casamento na família após a morte do pai... Apenas um ano depois de ele ter morrido. O meu vestido ainda era preto, todos os vestidos, excepto o da noiva, eram pretos... Cai ao chão e tive que ser tirada da igreja durante a cerimônia, hoje sei que eram meus quinze anos a sabotar aquela união, que o pai não aprovara... e eu não assisti, mas depois na tarde fumei aquele havano que era pensado só para homens... Aquilo sabia muito mal, compreendi que afirmar-se ia custar muito, era a escolha dura... Acho que levo demasiado tempo em guerra com o mundo à minha volta, por isso hoje quero parar um pouco, praticar isso que eu predico na minha consulta... 'E fazer como se...' Fazer como se a minha língua estivesse na pele, em cada poro uma palavra sementada, como está na rosa, ou como está em ti, ninguém pode arrancar...

Por isso hoje não quero afirmar nada, quero que se afirme a rosa, e a Melra, é a sua era, a minha passou...




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