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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Perspetivas


Todas as manhãs se parecem mas na de hoje uma conversa mudou a minha perspetiva...

Quem sabe outras conversas a tenham também mudado a eu nem percebi, mas hoje percebi...

Hoje, enquanto a minha filha arrumava seus livros para escolinha, o suco de laranja e eu aguardávamos na cozinha... A cozinha é um espaço aberto ao quintal, as rosas também fazem parte da conversa porque ouvi como me olhavam... Enquanto esperava fui cosendo e conversando com minha filha... 

- Mãe o que andas a fazer tu? -Por vezes (ou talvez só foi hoje) ainda se me faz entranho que minha filha me trate por tu, eu venho de um mundo onde o pai e a mãe se tratam por 'você'...- 
- Estou cosendo aqui um ponto na tua malha para que não corra pela perneira...
- Ahhhh...
- Sabes, dantes estes lavores faziam-se às noites, a carão do lume, na cozinha, enquanto o pai, a tia Maria, a tia Mercedes... contavam alguma história... o pai aproveitava para fazer às nossas chancas, ou botar-lhe novas biqueiras... a mãe cosia, e depois cantava algum romance... O meu preferido era o d'A Alvoradinha...
- Mãe... -diz minha filha com voz muito adulta- antes tínheis tudo isso... lume, gente, histórias... e vós consideráveis pobres...
- ...
- Mãe, agora é que somos pobres...
- ...

É... Agora somos tão pobres! mas temos tanta cousa que nem nos permite repararmos no pobres que realmente somos...

Amaia 6 de Junho de 2011

4 comentários:

  1. Concha: a ternura do diálogo encanta, pois , nos coloca junto da riqueza maior - o amor na intensiddade do estar com... entre flores, borboletas e passarinhos.
    O mundo mudou... encheu de solidão os espaços que foram povoados de risos, cantos e histórias - encontros.
    Precisamos re-povoar nossos quintais... creio que fazemos isso com magia e poesia.
    Abraços com ternura; jorge bichuetti

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  2. Jorge, meu querido amigo, evitei usar a palavra 'depovoada' porque é minha própria filha e dói ver como ela nota essa falta, e eu com apenas fantasmas para a povoar, ela abraça aquele mundo onde me sente crescer a mim, e eu tento multiplicar os seus relacionamentos, mas é o modo de viver que impede a espontaneidade dos encontros, os risos, as conversas... Sim necessitamos repovoar nossos quintais com magia e poesia, sim... Abraços com ternura, Concha

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  3. A pequena Nerea carrega a sua saudade (a herança dela). Encanta-me que partilhou conosco esse momento de interação tão íntimo e sublime: o passado saudoso na filha que não o teve materialmente (o ser das pessoas da família) e o valoriza querendo tê-lo no hoje e certamente em seu amanhã; o passado saudoso na mãe, que entre sentimentos de dores e alegrias o canta, e nos encanta em seus retornos pesqueiros, sempre a trazer desse lá longínquo, e único e individual, o quê de sua busca: os quês que a compõem.

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  4. Hosamis querida, esse traspassar das saudades de uma geração para seguinte daquilo que não viveram é algo que acontece com os emigrantes, passam a seus filhos e filhas a saudade daqueles mundos deixados... Nós, os filhos e filhas da cultura tradicional, indígenas, sem emigrar fora do nosso espaço emigramos muito no tempo... e eu noto que levamos e deixamos em herança (mesmo sem saber como) toda essa saudade nas nossas filhas e filhos... Eu tentava que a poesia fosse a depositaria dessa saudade e desse mundo, mas vejo que não está em meu controle e ela já se infiltrou em minha filha... Abraços com carinho, minha amiga de além-mar, saudades de ti sempre, Concha

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