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domingo, 14 de agosto de 2011

Crónicas do Mediterrâneo III


Ruas do nosso tempo

Cap. I
Pelas ruas do vazio, que não vou chamar de desatenção, vi passar palavras tuas, seguidas de palavras minhas, mas que não vinham ao encontro das minhas, de mim, mesmo assim eu bebi-as, como as bebo sempre, como beberia veneno se ele viesse de tuas mãos; não era veneno, eram palavras para um outro céu de lirismos, um que descobrias, e já abraçavas, já seguias, já curtias, já desejavas, porque tu necessitas, meu bem, respirar fora de mim... ou assim foi que eu o vivi, que para o caso não faz grande diferença; ora, o que faço eu com isso? Me pergunto enquanto passo pelas ruas desse vazio que me absorveu... vou fugindo de ti, e vou também procurando teu rasto e minha razão perdida... sigo tuas pegadas, procuro cheiros de teu passo, mas chego tarde, sempre chego tarde, já tu não estás, já as pegadas ao lado das tuas não são as minhas, eu sou quem morre... quem morre sob o olhar da lua e a coruja que mesmo aqui, no Mediterrâneo ela me fala... 

Cap. II
Abandono as ruas do vazio, aproveito a noite em que ninguém me vê, e me escondo nas do silêncio, procuro o esquecimento, de ti, de mim, das vaidades que me atam as mãos, ou a liberdade de voar; lá continua a ecoar tua voz, sempre a tua, tão inconfundível, tão com as medidas de meu peito sedento de tuas palavras, de tuas escassas palavras. Seguindo esse teu eco atrevo-me a sair, mas logo me perco e sigo pelas ruas do desespero, do não saber, da raiva, do medo, da vergonha, do orgulho ferido, do amor, do ódio, do auto-ódio, da vingança, da desesperança, do perdão, da tristeza, da melancolia, a tom com a paisagem mediterrânea que quer entrar por meus olhos distraídos em paisagens distantes...

Cap. III
Corro, fujo, vou pela rua do meio, sem olhar aonde me dirijo... ponho pé no lume por escapar, queimo-me, voo, desapareço, como a cinza, quero des-existir, invento formulas e nenhuma dá certo... nenhuma me resgata desse meu sentir... fecho os olhos, cego o mundo em mim, em breve sei que terei percorrido a cidade do Amor, com seus arredores de desamor, com seus bairros, seus cantos e recantos, seus encantos e desencantos... Lá aprenderei sobre o amar... sobre os amores... nessa cidade há amores de todas as classes, amores felizes, amores tristes, amores proibidos e ainda outros clandestinos, amores que crescem, que se alegram e celebram, amores compenetrados, amores que se desamam, amores trágicos, amores desencontrados, amores inventados para passar uma vida, afinal isso é tudo que temos que passar, como uma ponte que nós leva ao céu, sem escadas serem precisas, e depois de todos esses amores descobertos saio da cidade do amor e vejo que lá falta o nosso, entre os outros amores, entre os eternos, os amores de um dia ou de uma vida, os de uma vez, os de todas, falta o nosso, meu bem, falta o nosso amor: o amor impossível.

Vilamarxant, agosto de 2011
Concha Rousia 


2 comentários:

  1. há um recanto onde retorna-te sempre ....ou quiça um poema para morar nas palavras ...naquitos de tudo que desejas ...
    Bela crônica ...o calor do mediterraneo inspira ... pbens...abçs

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  2. Adilson, nas palavras até o impossível tem existência, por isso eu quero ser poeta, como uma Deidade crio mundos... pergunto-me se também os poderia destruir, mas acho que não, ou teria que destruir todo aquele que o conhecesse... Acho que me estou indo por pensamentos que vão além o que queria dizer... Mas gostaria de saber o que tu achas sobre se se podem destruir mundos... Fico grata pela tua leitura e por tuas palavras, abraços com o calor do Mediterrrâneo.

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