A Rousia é essa montanha que herdei sozinha, e que está prenhada de mar, e por ele eu um dia viajarei para ir a ilha dos nossos, o povo que desapareceu da aldeia da Rousia. Ficam casas desfeitas, com paredes a amparar carvalhos que crescem na ausência do povo ido... Concha Rousia
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terça-feira, 11 de agosto de 2009
Canto de Azeviche
(a caminho do Mar, e de mim...)
Entro no vosso mundo, engravidada por um deus desconhecido, mas eu sei que ele não é deste tempo, uso as vossas salas para parir a criança que nenhum pai quer reconhecer, só, eu sei o que é só, havia muitos ao pé de mim, ou talvez fosse sonho, reviso a minha coleção e em todos te encontro, em todos tu, mudando de idade e de rosto, e sei que é a ti que eu busco na minha infinita fugida ao eterno, sei que poderia esconder-me detrás de mim própria para que ninguém me visse, sei-o, como sei contar os dedos dos pés que andam sem eu os mandar... sempre adiante de mim, cada porta que abro, cada olhada ao escuro da desconfiança dos meus novos vizinhos, apanho surpresas que se cravam, lentamente vão matando a quem conheço em mim, sei que não sei aonde vou, sei-o, mas também sei que aqui, onde pousaram a minha cadeira não se está bem, aquele dali é o encarregado de administrar os espaços, e a mim deu-me este recanto escuro, talvez para ele me não ver, mas meus olhos, afeitos a esta escuridão, mostram-me tantas cores... tantas, que tenho de pintar, há tantos quadros vazios aí nos espaços da luz a pronunciar meu nome, a gente mira-me mal, as pessoas não entendem os meus traços, tão desconcertadamente simples, de carvão preto, meu desenhar é ingênuo como o da criança que o intelectual quer descobrir no interior, e eu não posso senão deixar crescer, entristece-me pensar que não sou do vosso mundo, que não sou filha engravidada dos vossos deuses, alguns agarrais minha mão e eu sinto a mornidão do vosso tacto, mas é apenas isso, e é muito, mas morre na intempérie da impenetrável pele, e sigo à procura, se ficar nunca me acharei, nunca me conhecerei, se me ir sei que será em solidão, e ninguém nunca me conhecerá, condenada sem remédio à inexistência, o pior foi abrir os olhos ao azeviche, foi ver as cores todas do preto, agora quando a vossa luz me cega fecho os olhos e entro no infinito.
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...eu sei que eu tenho um jeito meio de ser e de dizer, coisas que podem magoar e te ofender...
ResponderExcluirEste texto lembra-me um de José Régio, salvo erro, que Maria Bethânia diz numa música e depois segue cantando com está aqui em cima.
é "eu tenho um jeito meio estúpido de ser e de dizer"
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